Em decisão inédita, STJ permite que pessoa jurídica responda por crime ambiental
2005-06-08
Pela primeira vez um tribunal superior autorizou uma empresa a responder uma ação penal por crime contra o meio ambiente. O processo será respondido por um posto de gasolina do município de Videira, em Santa Catarina, responsável pelo lançamento de óleo, graxa e outros produtos químicos no leito de um rio. Se condenado, o posto pode ser obrigado a prestar serviços à comunidade ou mesmo ter suas atividades suspensas.
A inclusão da pessoa jurídica na denúncia foi permitida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao analisar um recurso do Ministério Público de Santa Catarina, responsável pela denúncia contra a empresa. A corte entendeu que, além dos responsáveis pelo empreendimento, a pessoa jurídica também pode ser responsabilizada criminalmente. O promotor responsável pela denúncia, Aurélio Giacomelli da Silva, diz que o Ministério Público recorreu ao STJ porque a primeira instância e o Tribunal de Justiça do Estado rejeitaram a denúncia contra a empresa, aceitando-a apenas para os proprietários do estabelecimento.
A possibilidade de empresas responderem a processos penais é algo controverso no Brasil, apesar da previsão estar na Constituição Federal e ainda na Lei nº 9.605/98, que trata dos crimes ambientais. A maior resistência, conforme advogados, ocorre porque, na legislação brasileira, somente a ambiental traz tal possibilidade. O número de condenações também é pequeno. O advogado Eduardo Damião Gonçalves, do escritório BKBG, afirma ter visto apenas um caso proveniente de Santa Catarina. Segundo ele, em 2003 o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região confirmou a condenação a uma empresa de engenharia por extração de areia sem autorização. A condenação foi a promoção de projetos ambientais no valor de R$ 10 mil.
Para o advogado Antonio Fernando Pinheiro Pedro, do Pinheiro Pedro Advogados, ainda há muita resistência em penalizar as empresas por crime ambiental. Segundo ele, o conceito predominante é o de que o direito penal só se aplicaria para a restrição física de pessoas, o que não atingiria as empresas. Porém, ele entende que a redução da capacidade econômica da pessoa jurídica é mais eficaz do que a pena contra a pessoa física. –Trata-se de uma condenação moral da empresa, afirma. Por isso, o advogado afirma que a decisão do STJ é importante, por ser o primeiro passo de um tribunal superior no sentido de autorizar essa criminalização.
O professor de direito penal da USP e advogado do Reale Advogados, Eduardo Reale Ferrari, explica que por muito tempo uma corrente de juristas defendeu que a Constituição Federal só autorizava as sanções administrativas para as pessoas jurídicas, numa mera interpretação do texto. Dez anos mais tarde, veio a Lei Crimes Ambientais, que regulamentou o artigo da Constituição que trazia a responsabilidade penal para as pessoas jurídicas. Segundo ele, a lei estabelece que, para ocorrer a responsabilidade penal da empresa, é necessário estar comprovado que o crime ambiental tenha decorrido de uma autorização do representante legal ou um colegiado da empresa. E ainda de um contrato de atividade que causou o dano. Na prática, afirma, essa prova, é complicada. Para Ferrari, o ideal seria que os órgãos administrativos fossem mais fortes e melhor estruturados, porque um processo administrativo pode ser mais efetivo e célere do que uma ação penal.
No processo penal, diz, há a possibilidade de inúmeros recursos e o risco de prescrição. –Não acho que o processo penal intimida, o que intimida é a eficácia da pena, afirma. Além disso, ele acrescenta que as punições de um processo administrativo são as mesmas de um processo penal. A advogada Priscila Calil, do Braga & Marafon, porém, acredita que apesar de um processo administrativo poder ser mais rápido para reparar um dano, é inegável o peso moral que processo penal pode ter. –Inevitavelmente o empresário vai ter maior cautela, diz.
Pela Lei nº 9.605/98, as penas para pessoas jurídicas são a suspensão parcial ou total de atividades, a interdição temporária de estabelecimento, a proibição de contratar com o poder público, a obtenção de subsídios, subvenções ou doações e a prestação de serviços à comunidade
(Valor Econômico, 6/6)