Agronegócio contamina rios da Amazônia
2005-06-08
A expansão acelerada do agronegócio nos últimos anos já compromete os rios e bacias subterrâneas da chamada Amazônia Oriental, que agrega os Estados do Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e de Mato Grosso.
O avanço da fronteira agrícola, basicamente das lavouras de soja, arroz, milho e algodão, está matando os igarapés da Amazônia devido ao uso excessivo de agrotóxicos, borrifados para proteger plantações de grãos e alavancar a produção. Igarapé é um termo popular no norte do país para se referir a um riacho que nasce na mata e deságua num rio.
O tema preocupa o Ministério do Meio Ambiente e é objeto de um estudo em curso da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Os resultados preliminares da pesquisa sinalizam que o quadro de contaminação das águas tende a se agravar na mesma proporção com que a soja --lavoura que salvou a pauta de exportações brasileira no último ano-- prospera na região.
— À medida que a densidade populacional for aumentando, os problemas virão, os mesmos que afetam o Tietê - afirma o pesquisador da Embrapa Ricardo Figueiredo, em alusão ao rio paulista, morto no trecho que atravessa a capital. Figueiredo é responsável pelo projeto Agrobacias Amazônicas, que tem como objetivo traçar o perfil da hidrologia e o respectivo percentual da contaminação por agrotóxicos.
O projeto é realizado em parceria com outros especialistas, da Universidade Federal do Pará, da USP (Universidade de São Paulo) e das Universidades da Georgia (EUA) e de Bonn (Alemanha). A previsão é que esteja concluído no final do ano que vem.
Ainda não há um número consolidado de quantos rios já estão poluídos, mas, segundo os pesquisadores, o estrago causado pela interferência humana em riachos é geralmente irreversível.
Os primeiros estudos de caso foram feitos em 24 pontos de igarapés nas agrobacias dos municípios paraenses de Paragominas (326 km de Belém) --onde o cultivo de grãos cresceu cerca de 40% nos primeiros meses deste ano em relação ao ano passado- e em 28 pontos de Igarapé-Açu (110 km da capital). Em ambos, os resultados são alarmantes.
Às margens da rodovia BR-153 (Belém-Brasília), Paragominas, conforme definição da Embrapa, é um exemplo emblemático da chamada idade dos grãos, que sucede os ciclos de exploração madeireira e de pecuária na porção oriental da Amazônia. O município é cortado por rios importantes, como o Uraim e o Coraci, ambos afluentes do rio Gurupi, que separa o Pará do Maranhão.
Uma das bandeiras da Secretaria Especial de Produção do Pará é que o Estado concentra cerca de 3% do total de água doce do mundo e 30 milhões de hectares de terras disponíveis para o plantio. Muitos produtores paraenses, no entanto, não têm títulos de posse das áreas --muitas vezes terras públicas griladas.
Os dados da Embrapa apontam que os igarapés locais não têm mais potencial de pesca e apresentam sinais de contaminação, constatados por meio do baixo pH e da baixa concentração de oxigênio da água. A diminuição de oxigênio também decorre da construção de minirrepresas e desvios no cursos dos rios, feitos por fazendeiros para abastecer suas lavouras e pastagens.
Acidez
O potencial hidrogeniônico, conhecido como pH, é a fórmula utilizada para determinar se a água está ácida ou alcalina. A escala varia de 0 a 14. O sete representa a neutralidade. No caso dos riachos citados, o pH estava em torno de 6, ou seja, ácido.
Numa das amostragens, os pesquisadores analisaram a qualidade das águas em três agrobacias de Paragominas, com cobertura florestal de 18%, 34% e 45%, respectivamente, e compararam os resultados entre si e aos de uma bacia situada a 80 km do município, cuja mata nativa está intacta. A conclusão é que o nível de poluição dos riachos aumenta drasticamente conforme a quantidade de plantações de grãos.
No caso da análise em Igarapé-Açu, foi constatado que os agricultores utilizam os agrotóxicos em escala maior do que recomenda o Ministério da Agricultura. Segundo o estudo, 46% dos produtores fazem uma aplicação semanal de produtos químicos. Outros 29%, duas aplicações por semana. Apenas 11% deles seguem a orientação do governo de utilização quinzenal dos produtos, em doses controladas. O percentual restante usa menos ainda.
— Na bacia hidrográfica os agrotóxicos são utilizados com elevada freqüência, sem preocupação com a integridade dos recursos hídricos - diz o estudo sobre as águas de Igarapé-Açu, que lista quatro produtos químicos, entre fungicidas, pesticidas e fertilizantes: dimetoato, deltametrina, difenoconazole e mancozeb.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, não existe licença ambiental específica para plantação de grãos. O Ibama monitora apenas o desmatamento das florestas que, nos municípios citados, por exemplo, ocorreu há uma década.
Fiscalização precária
A fiscalização das lavouras cabe à Secretaria de Agricultura do Estado. No caso do uso das águas --interdição do curso do rio e represamento--, a competência é da ANA (Agência Nacional de Águas) para os rios federais. A própria Secretaria Nacional de Recursos Hídricos, entretanto, admite que a fiscalização é precária na Amazônia.
João Bosco Senra, secretário nacional de Recursos Hídricos, diz que a solução para conciliar o avanço do agronegócio aos danos ambientais é a implementação de instrumentos de fiscalização na região. — Há licenciamento da agroindústria por parte da ANA quando é um rio federal, é um instrumento novo, de 1997, mas na região do Amazônia não está bem implementado.
Apesar da ressalva de que não se pode generalizar os empreendimentos, o secretário afirma que é preciso um mecanismo mais rigoroso para a autorização de uso da água dos rios.
(Folha On-line, 06/06/2005)