Por Mariano Senna
A questão atômica desapareceu das páginas da imprensa durante a semana do meio ambiente. Pelo menos no Brasil. Uma das poucas exceções foi o anúncio do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, de investir em um programa nuclear conjuntamente com outros países da América do Sul. Dada a conexão do assunto com passivos ambientais é de se estranhar que justamente agora ela tenha sido esquecida, ainda mais que o governo brasileiro está prestes a anunciar a controversa construção da terceira unidade da planta de Angra dos Reis. — Não vejo porque o país não possa terminar Angra 3, declarou o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu na metade de maio. Dirceu disse ainda que encaminharia um parecer favorável ao Conselho Nacional de Política Energética recomendando a construção de Angra III.
Olhando o tema na escala mundial é possível dizer que o Brasil está apenas seguindo a trilha global da indústria nuclear. Em março deste ano, os mais de 70 participantes da Conferência Energia Nuclear para o Século 21 - promovida pelas Nacões Unidas em Paris - assinaram uma declaracão onde reafirmam o papel da indústria atômica no desenvolvimento global.
Conceitos como energia nuclear para fins pacíficos, já estão consagrados. Seja na França, na Índia, nos EUA ou na China, passou-se a repetir a doutrina nuclear, onde o uso da energia do átomo é mais que uma necessidade tecnológica. É também uma proteção contra inimigos, ou a única salvação contra o aquecimento global.
Fazendo uma análise superficial do assunto, dando vez e voz às controvérsias, o mínimo que podemos conseguir são incertezas. Aliás, controvérsia é a palavra que resume bem qualquer discussão sobre energia atômica. Para facilitar o exercício analítico o ideal é olhar separadamente alguns dos seus principais aspectos.
Histórico
A indústria nuclear nasceu e se desenvolveu sob o guarda chuva militar. O uso bélico foi seu primeiro emprego. A producão de energia veio a reboque, pois para se produzir o combustível de armas atômicas é necessário o processo de enriquecimento do material radioativo que acontece num reator nuclear. A primeira usina nuclear do mundo a fornecer energia à sociedade foi a de Calder Hall, no condado de Cumbria, na Inglaterra, em 1956. Ela tinha sido construída três anos antes para enriquecer o combustível das primeiras armas atômicas da Grã-Bretanha.
Conexões militares
Hoje se separa as duas atividades da indústria nuclear. Pelo menos teoricamente. Fins pacíficos e bélicos. Mas ainda há quem acredite que elas são indivisíveis. - Eletricidade é apenas um subproduto da atividade nuclear - diz o site do Greepeace internacional. Se olharmos aspectos políticos, as evidências ficam maiores. Países como Alemanha e Suécia, que decidiram pelo desligamento de todas as suas centrais atômicas, não possuem armas nucleares. Por outro lado, os Estados Unidos, que têm falado frequentemente em desarmamento e mostram-se preocupados com a proliferação de armas de destruição em massa, estão investindo pesado (orçamento militar de mais de US$ 400 bilhões por ano) no desenvolvimento de uma nova geração de armas nucleares. A idéia é diminuir o tamanho e o poder de destruição das ogivas, para permitir ataques a alvos específicos sem destruir tudo em volta.
Passivos
Além de ogivas, a conexão militar da indústria atômica ainda têm um outro aspecto nefasto: a sonegação de informação. E não são só detalhes técnicos e segredos industriais. Relatórios sobre acidentes e vazamentos de radioatividade continuam desconhecidos do público. - Na Inglaterra a população demorou mais de 20 anos para descobrir os efeitos das plantas nucleares, e ainda hoje o lobby atômico impede que se saiba o número de acidentes ocorridos por ano - conta Jean McSorley, autora do livro Vivendo nas Sombras (Living in the Shadows), que narra a história dos habitantes da região do complexo nuclear de Sellafield, na costa oeste da Inglaterra. Por conta da indústria nuclear britânica, o Mar da Irlanda é hoje considerado a área mais radioativa do planeta, com alguns pontos apresentando um índice de radiacão superior ao terreno do reator de Chernobyl, na Ucrânia.
Outro passivo é o financeiro. Mesmo com números incompletos, as autoridades européias têm uma estimativa alta para o custo dos acidentes em suas plantas nucleares. - Em 2002 os acidentes em instalações nucleares na União Européia custaram mais de 16 bilhões de Euros - revelou Hendrik Vygen, chefe da divisão de segurança atômica do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha, durante um congresso sobre desenvolvimento sustentável no início deste ano em Berlin. Ele frisou que não estão incluídos nesse valor os custos de tratamento médico a pessoas afetadas pela radiação.
Producão energética
- É uma questão de opção. Países como a Franca, onde 80% da energia é produzida por plantas nucleares decidiram usar essa fonte em vez do Carvão, ou do Petróleo, ou do Gás - explica Pierre Paludghnach, especialista belga em gerenciamento energético e um dos membros da equipe de engenheiros que trabalharam no Instituto Fraunhofer, desenvolvendo processos híbridos de geração energética. - Claro que países que têm outras opções, principalmente renováveis, não precisam investir em energia atômica, seja pelo alto custo ou pelos riscos - completa Pierre.
Tecnologia
Até o momento o principal argumento a favor da construcão de Angra III é a tecnologia. Seguindo a lógica da Obsessão do Descompasso, descrito por Alfredo Bossi no livro A Dialética da Colonização, as autoridades brasileiras não querem perder o passo da história e fechar os olhos para a tecnologia nuclear. Mas nesse ponto persistem algumas dúvidas. Se a intenção é criar um know-how brasileiro na área, por que o projeto Angra não permite a participação direta de diferentes centros de pesquisa do país? Ainda, se a intenção é criar tecnologia de ponta, por que o projeto não traz atrelado ao seu contrato um processo de transferência de tecnologia e cooperacão científica e acadêmica?
A Alemanha, por exemplo, não deixará de investir em pesquisa atômica depois que desligar suas usinas nucleares. Além de manter diversos centros de pesquisa nessa área em seu próprio território, ela ainda encabeça o grupo multinacional que irá construir o Reator Internacional Experimental de Fusão Atômica (ITER). O projeto promete revolucionar toda a técnica de manipulação da energia do átomo, produzindo energia com muito mais eficiência e menos riscos. Ele está avaliado em cerca de 10 bilhões de Euros e prevê apresentar os primeiros resultados práticos em 15 anos. Nesse ponto o governo de Brasília parece estar mais preocupado com o imediatismo e o pragmatismo dos resultados de um programa que já consumiu R$ 40 bilhões e que ainda não conseguiu mostrar nenhum resultado que justifique tal gasto.