Brasil não quer identificar exportações de alimentos transgênicos
2005-06-06
O Brasil e a Nova Zelândia foram os únicos dois paises do mundo que se
opuseram à adoção de regras claras para a identificação de exportações de
alimentos e outros produtos transgênicos. A posição dos dois países foi evidenciada na Reunião encerrada na sexta-feira (03/06) em Montreal, Canadá. Trata-se especificamente da implementação do Artigo 18-2(a) do Protocolo de Biossegurança, sobre o manuseio, transporte, embalagem e identificação de produtos transgênicos
destinados ao consumo como alimentos, ração ou para o processamento.
No Plenário final da Reunião das Partes, a Nova Zelância fez um
discurso justificando sua impossibilidade de adotar a decisão sobre estas
regras. O Brasil apenas declarou sua oposição formal à proposta, lamentando
formalmente a falta de consenso na decisão sobre identificação de produtos
transgênicos no comércio internacional, mas ressaltando o progresso que
houve em outros pontos da agenda da COP, (bem menos polêmicos) onde
houve consenso. O representante do Brasil - Mininistro Hadil Fontes da Rocha
Vianna), afirmou que a implementação do Protocolo tem que seguir um ritmo
adequado, realista e passo-a-passo, em um processo que exigirá muita
negociação. Surprendeu a todos ao concluir com uma acusação genérica e não
explicada, afirmando guardar fortes reservas quanto à maneira como esta
reunião foi conduzida. Nenhuma referência à proteção da megabiodiversidade
brasileira ou ao princípio da precaução entrou no discurso do diplomata.
Pela falta de consenso negado por apenas esses dois países, a decisão
simplesmente foi rejeitada pela Reunião das Partes.
Em seguida os 25 países da União Européia, com Bulgária e Romênia, seguidos
pelo México e Panamá, criticaram e lamentaram o fracasso da reunião,
justamente neste ponto mais central para a implementação do Protocolo.
O Brasil se isolou assim de todos os países dos Países Afins e Países
Megadiversos no âmbito da Convenção da Biodiversidade, cuja próxima
Conferência das Partes será em Curitiba em março de 2006. Ao mesmo tempo,
enfrentou a oposição explícita de todos os outros membros do G-20
(importante para o Brasil na OMC) participantes das negociações sobre este
ponto, como o Egito, a Índia, a China, África do Sul, México e Malásia.
O Brasil, junto com outros produtores de transgênicos como os Estados Unidos, a Argentina e o Canadá, parece preferir a posição de enganar seus compradores, escondendo exatamente o que está vendendo, ao se recusar a indicar precisamente o que vai dentro da carga. A posição brasileira não parece muito inteligente nem do ponto de vista ambiental, nem comercial. O Protocolo de Cartagena é antes de tudo um acordo para proteger a biodiversidade e a saúde dos importadores, impedindo o ingresso involuntário e inadvertido de transgênicos. Por isso mesmo, não rotular a carga de transgênicos pode trazer prejuízos comerciais ao exportador - como a devolução de cargas, indenizações, multas - dos quais já há alguns exemplos internacionais.
Em Montreal, a União Européia e a China, os maiores importadores de soja do Brasil, declararam justamente que vão exigir uma completa identificação dos tipos de transgênicos importados. Só este fato deveria bastar para convencer o Brasil a não vender gato por lebre, ou seja desistir de querer disfarçar suas exportações sob um rótulo ambíguo de pode conter transgênicos.
Está criado um grave constrangimento para o Brasil ao receber a COP daqui a
nove meses. Ao convidar todos os países para Curitiba em março de 2006, o
Primeiro Secretário Bernardo Paranhos Velloso não achou mote melhor do que
brincar que o melhor de Curitiba, como capital ecológica do Brasil, é
ficar próxima a Foz do Iguaçu e ao Rio de Janeiro, encorajando assim uma
conclusão rápida dos trabalhos da COP.
De fato, se o Brasil continuar obstruindo ostensivamente qualquer acordo
sobre os pontos importantes na agenda da Convenção da Biodiversidade e do
Protocolo de Biossegurança, o exercício de Curitiba também pode entrar nas
atas oficiais da Convenção como uma perda de tempo e de dinheiro para
todos, provocando entre os diplomatas estrangeiros o desejo de simplesmente
estar em outro lugar.
A delegação oficial do Brasil em Montreal ainda se sente vitoriosa,
pensando ter vencido uma ofensiva comercial da Europa contra os interesses
do Brasil. O mal estar e a incredulidade de todos os seus aliados,
principalmente os países em desenvolvimento, para os iluminados do
Itamaraty, seriam frutos simplesmente de um surto de ingenuidade global. Só
o Brasil percebeu e derrotou o grande golpe que é a biossegurança, no
âmbito do comércio internacional. Parabéns para a Syngenta, uma das mais
ativas e respeitadas participantes da delegação oficial! (Por David Hathaway, da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa - AS-PTA, um dos representantes de ONGs brasileiras no evento em Montreal.)