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2005-06-02
Por uma felicíssima coincidência de fatores, que eu só viria a compreender plenamente algum tempo depois – a ida do meu chefe para Nova Iorque e o recebimento de um e-mail de uma colega daqui do O Eco me avisando a respeito – pude participar do II Congresso Internacional de Direito do Ambiente da Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro. Digo coincidência porque, em primeiro lugar, como todo estagiário de direito sabe, viagem de chefe, em geral, não significa folga, mas trabalho em dobro; em segundo lugar, se não fosse pelo convite que me foi enviado por uma colega de trabalho, eu provavelmente não teria sequer ouvido falar do evento. Isso poderia explicar porque, ao contrário do rol de palestrantes, recheado de celebridades e entendedores do assunto meio ambiente em geral — proveniente de países como Inglaterra, Irã, Austrália, Estados Unidos, Argentina, Itália, Bélgica, França e, é claro, Brasil — o público presente, em nenhum momento, foi capaz de lotar os menos de duzentos lugares do auditório do Centro de Convenções da Bolsa do Rio. Talvez pela falta de divulgação, talvez pelo preço das inscrições — que variou entre 250 e 350 reais — um evento que era para ter suas vagas disputadas a tapas,, passou os três dias com espaço de sobra. Mas isso, de forma alguma, tirou o seu brilho. As palestras ministradas foram um verdadeiro mergulho no direito ambiental, encarado da maneira mais ampla possível; todos os palestrantes, sem exceção, mostraram-se especialmente amistosos e pacientes para responder a todas as perguntas do público — formuladas em qualquer língua — que os cercava na saída de cada painel. Como bem disse um dos organizadores do evento, todos estavam se sentindo em casa. Nesse aspecto, a falta de público pode até ter ajudado.

Em todos os oito painéis apresentados, os presentes foram agraciados com visões extremamente pé-no-chão sobre o estado da questão ambiental ao redor do planeta. No primeiro dos oito painéis, por exemplo, Antonio Herman Benjamin, membro do MP de São Paulo e um dos mais tarimbados palestrantes do país sobre o assunto, traçou um panorama histórico completo — considerando-se o pouco tempo disponível — da política ambiental brasileira, não poupando críticas à bancada ruralista que, muito bem articulada, atualmente domina o Congresso Nacional, impedindo qualquer avanço mais significativo em termos de legislação ambiental.

Em seguida, como que para reanimar o ego combalido dos brasileiros, as palestras do professor italiano Tomaso Frosini, da Universitá degli Studi di Sassari, e do Presidente da Suprema Corte daquele país, Vincenzo Carbone, mostraram que se o Brasil vai mal das pernas em termos de política ambiental, em termos de legislação ainda dá banho em muitos países do primeiro mundo. A Constituição Italiana de 1948, até o momento, não faz qualquer referência expressa ao meio ambiente e sua proteção é feita através da interpretação extensiva de alguns de seus dispositivos, numa mistura de tutela da saúde pública e do patrimônio paisagístico, que o elevou à condição de “direito fundamental da pessoa humana”. Só agora, por iniciativa recente, está em tramitação um projeto de emenda constitucional para incluir naquele texto a expressa menção ao meio ambiente, aos ecossistemas, à biodiversidade e aos animais.

A União Européia esteve representada, também, pelo professor Andrew Waite, do reino Unido e membro da Comissão de Direito Ambiental da União Internacional para a Conservação da Natureza; pela professora belga Mary Sancy, Coordenadora do Programa de Direito Ambiental da UNITAR — o programa da ONU para treinamento e pesquisa — e pelo homenageado especial do evento, professor Alexandre Kiss, da França e presidente do Conselho Europeu para o Ambiente, que proferiu uma conferência magna sobre biodiversidade de encher os olhos e os ouvidos.

Como o evento foi realizado com uma parceria entre a Procuradoria do Município do Rio de Janeiro e a universidade norte-americana Pace University School of Law, os Estados Unidos também estiveram muito bem representados, com nada menos do que sete palestrantes, que foram os responsáveis por momentos de grande satisfação do público em geral, quando teceram abertas e duras críticas à política ambiental da Administração Bush. Poucas coisas podem ser tão satisfatórias quanto ouvir a advogada da EPA, Marla Wieder — que, como toda boa americana, fez questão de esclarecer que naquele momento falava não como funcionária daquela agência, mas como advogada ambientalista — criticar o próprio governo. Verdade seja dita: os norte-americanos podem estar enfrentando uma crise em termos de política institucional para o meio ambiente, mas eles entendem muito do assunto. Isso ficava claro cada vez que um deles proferia sua palestra, qualquer que fosse o tema — a história do direito ambiental nos EUA, o sistema de responsabilização jurídica por danos ambientais, biodiversidade, poluição marinha, quantificação de danos ambientais, organização e utilização do solo urbano.

Entre tantas estrelas internacionais, o Brasil esteve muito bem representado por professores, advogados, promotores e outras personalidades ambientalistas. Os temas de seus discursos, embora muito variados, foram marcados por uma visão crítica e realista da situação ambiental brasileira, sem, contudo, deixar de indicar caminhos e formular propostas viáveis para a inversão deste quadro. A única coisa que realmente nos fez passar vergonha, foram as recém-divulgadas estatísticas de desmatamento na Amazônia.

Talvez o maior mérito do evento, além de expor os inscritos às questões que configuram a vanguarda da discussão ambiental mundial e às pessoas que tem trazido tais questões à luz ao redor do mundo, foi mostrar que as origens dos problemas ambientais brasileiros vão muito além da discussão sobre o percentual de reserva legal nas propriedades amazônicas ou o plantio de soja transgênica. Nosso instinto predatório e nocivo com relação às riquezas naturais é cultural, profundamente arraigado em nossa história e alimentado pela nossa ignorância.

A Itália possui uma legislação ambiental que, perto da nossa, mais parece uma colcha de retalhos curta e cheia de buracos. Sua população, no entanto, tem uma relação com o meio ambiente muito mais saudável do que a do Brasil. A Austrália tem uma história ainda mais recente do que a nossa e, não obstante, está anos-luz à frente em termos de proteção ao meio ambiente — não apenas porque consegue fazer valer as suas leis, mas porque não precisa se preocupar tanto com isso, e hoje pode se dedicar a melhorar a sua capacidade de vigiar seus mares contra pesqueiros ilegais e baleeiros japoneses. Enquanto isso, diante da nossa incompetência em policiarmos a nos mesmos, damos desculpas cada vez piores.(O Eco,30/05)

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