Reformadores e importadores de pneus usados de países europeus temem aumento do passivo ambiental
2005-06-02
Uma nova guerra está surgindo na indústria de pneus. O campo de batalha são os corredores do Senado, onde tramita um projeto de autoria do senador petista Flávio Arns (PR) que autoriza a importação de pneus usados destinados à indústria de remoldagem. O projeto, apresentado em 2003, tem como adversários os ambientalistas, a indústria de pneus novos e o próprio governo. Por trás do texto há uma união de interesses diversos: fabricantes de países desenvolvidos, que querem se livrar do seu lixo ambiental; importadores, que trazem carcaças usadas graças a liminares obtidas na Justiça; e a indústria de reaproveitamento de pneus, que reúne meia dúzia de empresas e é liderada pelo empresário Francisco Simeão, presidente da Abip, a associação do setor de remoldados, e da BS Colway. Instalada na região metropolitana de Curitiba, no Paraná, a companhia emprega 1,1 mil funcionários, fatura US$ 70 milhões por ano, produziu 1,2 milhão de pneus em 2004 e, por empregar matéria-prima importada usada, consegue oferecer preços, em média, 40% mais baixos.
A guerra está começando e promete muitas batalhas, mas a BS Colway, leia-se Francisco Simeão, já conseguiu mobilizar toda a bancada paranaense no Congresso, com o argumento de que os verdadeiros vilões são os grandes fabricantes de pneus, em especial as multinacionais, que não coletam os pneus velhos para destruí-los de forma correta. No lado oposto estão ambientalistas, profissionais ligados à área de saúde pública, a indústria de pneus novos instalada no País e o próprio governo (mais precisamente os ministérios do Meio Ambiente, da Saúde e do Desenvolvimento). — Nenhum país admite importação de produtos usados, porque prejudica a indústria e o investimento nacionais. No caso dos pneus, há ainda o agravante ambiental - diz o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT). O pneu velho leva 400 anos para ser reabsorvido pela natureza, é apontado como o principal meio de reprodução do mosquito da dengue e sua destruição ou reciclagem gera uma série de resíduos tóxicos. O problema é tão sério que, a partir de julho de 2006, os fabricantes europeus de pneus serão proibidos de enterrar carcaças em aterros sanitários, mesmo que trituradas. O projeto que tramita no Senado, apontam os ambientalistas, tornaria o Brasil o
grande receptor de um entulho ambiental que ninguém quer. — Mais de 90% dos pneus velhos do passivo ambiental foram produzidos por esses fabricantes que são contra os remoldados - rebate Simeão.
Para tentar contornar o problema, o projeto de Arns estabelece uma contrapartida ambiental para a importação de pneus usados. Para cada unidade importada a ser comercializada diretamente, dez velhas terão que ser recolhidas, uma norma até mais rigorosa que a atual, segundo a qual para cada quatro pneus fabricados, cinco devem ser retirados do meio ambiente. Já os utilizados como matéria-prima (caso dos remoldados), um por um. — O que queremos é uma solução que favoreça o emprego e o consumidor, sem prejuízo ambiental - explica o deputado. Mas, para o Ministério do Meio Ambiente, o controle é muito difícil e há sérios riscos envolvidos. “A indústria pode se sentir incentivada a importar, de uma só vez, os pneus destinados à remoldagem e os inservíveis”, adverte Márcio de Freitas, do Ibama. O processo de fabricação do remoldado começa com a raspagem da borracha velha até deixar só na carcaça. A partir daí, o pneu é reconstruído e vulcanizado, da mesma maneira que se produz o pneu tradicional.
Os remoldadores preferem os importados, porque estão em melhor estado e o preço, depois dos custos com transporte e impostos, fica entre R$ 18 e R$ 20. Mas há motivos econômicos adicionais, de acordo com os opositores. Como são verdadeiros abacaxis, contestam eles, os usados europeus chegam aos portos quase de graça, enquanto o custo de recolhimento, segundo estimativas, fica em torno de R$ 10. Para impor mais debate ao texto, que pode ser aprovado sem
passar pelo plenário do Senado, Mercadante remeteu-o para nova rodada de discussão na Comissão de Fiscalização, Controle e Meio Ambiente. Polêmica, pelo jeito, não vai faltar. (Isto é, 30/05)