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2005-06-02
A semana que passou entrará para a história do Brasil como uma daquelas em que o País mais foi atacado pela imprensa mundial. Diante de estatísticas mostrando um recrudescimento anômalo no desmatamento amazônico – esperava-se um crescimento de 2% no ritmo da derrubada entre 2003 e 2004, mas registrou-se um percentual de 6% – jornais, organizações ecológicas e até diplomatas do mundo desenvolvido reagiram com pedras na mão. Contra o Brasil. - É impossível encontrar qualquer argumento coerente em defesa da contínua destruição da floresta equatorial brasileira - escreveu, em Londres, o diário Independent. - Eles estão transformando a floresta tropical em pastagens. É asqueroso - proclamou John Sauven, líder do Greenpeace. Mas partiu de Peter Mandelson, comissário europeu de comércio, o comentário mais agressivo da semana. - O Brasil tem que assumir as suas responsabilidades. Algo grave está acontecendo - disse ele, enfatizando que é preciso frear a destruição de um bem público. Essas afirmações maliciosas ecoaram o que já fora dito, em fevereiro, por Pascal Lamy, antecessor de Mandelson na União Européia e atual diretor-geral da Organização Mundial do Comércio. Com imensa cara de pau, Lamy, o príncipe do protecionismo europeu, defendeu a internacionalização da Amazônia. Como se a floresta mais pujante do planeta, que ocupa 58% do território brasileiro, já não tivesse dono. Como se os europeus já não tivessem destruído 90% de suas próprias florestas.

Presença policial na Amazônia
Desta vez, porém, a gritaria ecológica tinha um alvo preciso: a soja e, através dela, a exploração das riquezas naturais do Brasil. Não é por outro motivo que a cobertura mais agressiva sobre o desflorestamento concentrou-se na pessoa de Blairo Maggi, governador do Mato Grosso e maior plantador de soja do planeta. A revista britânica The Economist referiu-se a ele como o estuprador da floresta e rei do desflorestamento, explicando que o Mato Grosso foi responsável por 40% do desmatamento registrado no último biênio. O governo federal limitou-se a defender seus planos para a região – que são bons, diga-se de passagem – sem confrontar a histeria dos ambientalistas e seus patrocinadores no Hemisfério Norte. - Atacam a nossa soberania e ninguém sai em nossa defesa. Assim vão permitir o esquartejamento da Amazônia - revolta-se Maggi. O general Luiz Gonzaga Lessa, presidente do Clube Militar e ex-comandante militar da Amazônia, também sentiu cheiro de fumaça. - Isso é lobby econômico disfarçado de ideologia ambientalista - resume. O historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira, autor de As Relações Perigosas: Brasil-Estados Unidos, também vê interesses escusos na grita da semana passada. - Essas ONGs não são inocentes. Servem aos interesses das transnacionais que estão sendo afetadas pela competição agrícola do Brasil - afirma o professor. - Essa celeuma visa apresentar à ONU um projeto de internacionalização da Amazônia.

Para entender os interesses em jogo na floresta, é preciso ter em conta que o Brasil tornou-se, nos últimos anos, o maior exportador de soja do mundo, com 36,2 milhões de toneladas. Ultrapassou os Estados Unidos. O Mato Grosso de Maggi lidera a produção nacional, sua soja esbarra na chamada Amazônia Legal e invade a zona de transição botânica entre o cerrado e a floresta equatorial. Os agricultores dizem que esse território é cerrado e insistem em plantar 50% da área de suas propriedades. O governo diz que é floresta e admite o plantio de apenas 20%. Adilton Sachetti, prefeito de Rondonópolis e um dos maiores plantadores de algodão do Mato Grosso, lembra que o Estado tem área de 90 milhões de hectares, dos quais apenas 8 milhões são de plantio. Outros 50 milhões de hectares são cobertos por florestas intocadas. Ele pondera que os americanos, a despeito das suas ONGs, têm 33% do seu PIB ancorado na agricultura: - Falar que a soja é responsável pela degradação do ambiente é fachada. Eles temem é que o Brasil roube mercado dos americanos. Há outro mercado em jogo, o da madeira. Nos últimos três anos, a Amazônia multiplicou por cinco a sua área para exploração de madeira certificada, com selo verde para exportação legal. Mas a tese do Greenpeace é a de que a madeira da Amazônia não deve ser explorada nem mesmo como manejo florestal. No fundo desse debate, está o fato de que o Brasil caminha, rapidamente, para dominar tanto o mercado internacional de móveis e madeiras quanto o de papel e celulose. Há no segmento 40 projetos em andamento, com investimentos previstos de R$ 6,7 bilhões. - Muita gente não se conforma com o fato de uma área com o tamanho e o potencial da Amazônia ser controlada por um país subdesenvolvido como o Brasil - afirma Lorenzzo Carrasco, organizador do best-seller Máfia Verde. - Algumas ONGs funcionam como forças de guerra irregulares e o governo brasileiro tem sido excessivamente submisso a essas pressões - relata.

Na tarde da terça-feira 24/05, houve uma reunião no Palácio do Planalto para tratar da pressão internacional. Coordenada por José Dirceu, ministro-chefe da Casa Civil, contou com cinco ministros em pessoa, como Marina Silva, do Meio Ambiente, e Aldo Rebello, da Coordenação Política. Dirceu abriu o encontro dizendo que estava efetivamente preocupado com as pressões internacionais. Ao final, o grupo concluiu que o problema pode ser resolvido caso o Brasil explique de forma detalhada nos foros internacionais todas as boas medidas que estão sendo tomadas pelo governo de um ano para cá, quando colocou em prática o Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia. Inaugurado em março do ano passado, esse plano prevê 149 ações de 13 ministérios e investimentos de R$ 390 milhões até 2007. Um dos focos do plano diz respeito à fiscalização da região, com intensificação da presença do Exército e a contratação de mais 600 fiscais do Ibama, ainda este ano. Outro foco é a criação de áreas de proteção para conter o desmatamento. Nos últimos dois anos, o governo reservou 376 mil km2 de florestas exclusivamente para projetos de assentamentos sustentáveis e extrativismo. A área é maior que a Alemanha. Também homologou 93 mil km2 de reservas indígenas e criou mais 83 mil km2 de reservas florestais. Equivale a uma Áustria. O plano é que essas reservas contenham a derrubada das árvores. A próxima meta é tentar aprovar no Congresso o projeto de lei que cria o Serviço Florestal Brasileiro, espécie de agência reguladora da floresta. A idéia central é que o governo faça concessões para exploração por manejo – da mesma forma que emite concessões de telecomunicações ou jazidas minerais. O SFB define a área de exploração, o Ibama fiscaliza. O projeto está pronto para ser votado em uma comissão da Câmara. Ao final da reunião de terça-feira, os ministros decidiram trabalhar melhor em quatro pontos: intensificar o policiamento, criar um selo verde para os produtos da Amazônia, efetivar a idéia de um pacto com os Estados (estabelecendo metas de redução da devastação) e, por fim, propor à equipe econômica uma linha de crédito subsidiada para os projetos verdes. - Não podemos ser simplesmente contra a soja - diz a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente. - Temos de defender que as atividades produtivas, de qualquer natureza, sejam feitas em bases sustentáveis. Essa é uma conversa que os brasileiros podem entender, os produtores podem apoiar e o futuro não tratará como simples capitulação a interesses internacionais.

Números
5 milhões de Km2 é o tamanho total da Amazônia brasileira
390 milhões de reais é orçamento do governo para a Amazônia até 2007
55 mil espécies vegetais já foram cadastradas na Amazônia

O que acontece na floresta
• As reservas florestais e indígenas eram 29% da Amazônia em 2002. Subiram para 31% em 2004. Esses dois pontos percentuais representam um território do tamanho da Áustria.

• As terras devolutas e griladas, onde acontecem 90% dos desmatamento,seram 47% da Amazônia em 2002. Caíram para 44% em 2004.

• 14 mil km2 é a área de exploração de madeira com manejo certificado para exportação. Equivale ao Kuait e a Sergipe. Em 2002, a área era cinco vezes menor. A meta do governo é ter 30% da produção da madeira da Amazônia com selo verde até 2007.

• 376 mil km2 de florestas foram reservados para projetos de assentamentos sustentáveis e extrativismo entre 2003 e 2004. A área é maior que a Alemanha.

• O Estado do Amazonas conseguiu reduzir em 39% a sua área desmatada em 2004 com a implantação do programa Zona Franca Verde, que subsidia populações indígenas e ribeirinhas.

• 80 mil km2 ao longo da BR 163, entre Cuiabá e Santarém, estão preservados do desmatamento. O governo vai apresentar um projeto de exploração de agro-florestas para toda a região da rodovia. (Istoé Dinheiro, 1/06)

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