Presidente venezuelano anuncia plano de investir em programa nuclear
2005-06-02
Em mais de seis anos como presidente da Venezuela, Hugo Chávez notabilizou-se pelas bravatas e paranóias terceiro-mundistas. Já acusou os Estados Unidos de ter planos de invadir a Venezuela e de matá-lo, disse que a secretária de Estado Condoleezza Rice tem uma queda por ele e ameaçou suspender a venda de petróleo para os americanos. A última de Chávez foi declarar que pretende desenvolver um programa nuclear.
–Precisamos trabalhar na área nuclear com o Brasil, a Argentina e pedir ajuda técnica a países como o Irã, disse Chávez no domingo passado (29/5), em seu programa semanal de rádio e TV Alô, Presidente. Na quinta-feira (26/5), ele confirmou a idéia.
Qualquer país tem o direito de desenvolver um programa de geração de energia nuclear, desde que para fins pacíficos. Como signatária do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, a Venezuela pode instalar um reator e fazer pesquisas na área, com a condição de que aceite as inspeções periódicas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ligada à ONU. Há, no entanto, três razões para suspeitar da seriedade das intenções atômicas de Chávez e interpretá-las como uma nova manobra para espezinhar a paciência americana: a escolha do Irã como fornecedor de tecnologia, o potencial subexplorado das reservas de petróleo e dos recursos hidrelétricos da Venezuela e o fato de os principais cientistas do país jamais terem sido consultados pelo governo a respeito de energia nuclear.
Chávez escolheu lançar a idéia de sua aventura atômica justamente na semana em que os governos de três países europeus – Alemanha, França e Inglaterra – se esforçavam para convencer os aiatolás do Irã a suspender seu programa de enriquecimento de urânio. O Irã desenvolve tecnologia nuclear há quatro décadas, mas durante anos escondeu dos inspetores da AIEA seu programa de produção de urânio enriquecido, material usado como combustível da bomba atômica. Os americanos e os europeus temem que Teerã esteja prestes a construir seu arsenal nuclear. Esse seria um cenário de pesadelo para os Estados Unidos, que já vêem com preocupação a tentativa da Coréia do Norte de se tornar uma minipotência atômica.
–Ao demonstrar interesse em se aliar aos aiatolás para adquirir tecnologia nuclear, Chávez parece estar se esforçando para que o governo americano o inclua em sua lista de desafetos, disse à Vejas a cientista política Elsa Cardozo, da Universidade Central da Venezuela. Isso significa alinhar a Venezuela ao eixo do mal, expressão usada pelo presidente americano George W. Bush para definir o grupo de países que ameaçam a segurança mundial. Do ponto de vista tecnológico, faz pouco sentido desenvolver um programa nuclear com a ajuda, como quer Chávez, do Brasil, da Argentina e do Irã – cujos governos, aliás, negaram na semana passada ter planos de cooperação com a Venezuela nessa área.
–Ainda que esses países tenham bom conhecimento técnico do assunto, os melhores equipamentos para usinas nucleares são fabricados por empresas européias, disse a Veja o americano Gary Samore, especialista em políticas de não-proliferação do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, na Inglaterra. Ele afirma: –Resta a hipótese de que a intenção de Chávez seja comprar do Irã, por baixo do pano, um programa nuclear para fins militares, o que seria muito mais grave.
O presidente venezuelano disse que quer reatores nucleares para produção de energia, apenas. A questão é: qual a lógica de a Venezuela gastar no mínimo US$ 10 bilhões para construir uma usina nuclear que só vai entrar em funcionamento daqui a dez anos ou mais? O país gera mais energia hidrelétrica do que precisa – uma parte é vendida ao Brasil – e dispõe da segunda maior reserva de gás natural do continente americano e da sexta maior de petróleo do mundo. –Gastar em um programa nuclear é economicamente irracional, considerando que a indústria petrolífera venezuelana nem sequer consegue aproveitar as cotas de exportação a que tem direito, por falta de investimento, disse a Veja o economista José Toro Hardy, ex-diretor da PDVSA, a estatal de petróleo da Venezuela.
Desde que Chávez assumiu, em 1999, a produção de petróleo do país caiu de 3,3 milhões para 2,6 milhões de barris por dia. A causa dessa queda foi a decisão de Chávez de cancelar o plano da PDVSA de investir 65 bilhões de dólares em seis anos para dobrar sua produção diária. Pior: não se sabe para onde está indo o dinheiro do petróleo. Em 2004, a PDVSA depositou apenas 53% de suas receitas no Banco Central. Em 2002, o presidente venezuelano contribuiu mais uma vez para a deterioração da estatal petrolífera ao demitir 20 mil funcionários, na maioria técnicos qualificados, em retaliação a uma greve geral. Nesse contexto de descaso com a produção energética, falar em usinas nucleares soa como um descalabro. Até os físicos venezuelanos foram pegos de surpresa pelas declarações de seu presidente. A bravata faz sentido dentro da estratégia de Chávez de confronto com os Estados Unidos. Ele usa o discurso antiamericano para desviar a atenção dos problemas internos da Venezuela, como o aumento da pobreza e do desemprego (Veja, 30/5)