Amianto: a prova dos males à saúde é silenciada em vários países
2005-05-31
Na África do Sul, de acordo com os coordenadores da Rede Internacional Proibir o Amianto, o pesquisador C. Wagner não conseguiu encontrar editor para sua pesquisa sobre o mesotelioma (um tipo de fibra de amianto), e acabou publicando suas conclusões na Inglaterra, no British Journal of Industrial Medicine, vol. 17, págs. 260-271, 1961.
Em 1987, no estaleiro de Gdansk, na Polônia, o Dr. Bogden Przygocki afixou sem autorização uma informação sobre os perigos do amianto. Foi despedido da clínica do estaleiro.
Durante os anos 80 e 90, a polêmica deslocou-se para o terreno das organizações internacionais. Sob a capa de relatórios oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Escritório Internacional do Trabalho (BIT),
os peritos da indústria tentaram avalizar como verdade científica uma mensagem dupla: primeiro, a de que o amianto branco (crisotilo) é pouco ou não tóxico – deve-se ressaltar que o crisotilo representa mais de 90% do amianto extraído sobre a superfície do globo e que as outras variedades são proibidas na maior parte dos países industrializados; segundo, a de que o uso controlado do amianto é possível.
Essas tentativas fracassam sob a pressão de pesquisadores não ligados
aos industriais, que passaram a denunciar a instrumentalização das organizações internacionais pelos lobbies. Mas, conservando sua legitimidade social, os ditos peritos continuam a divulgar sua mensagem a fim de tranqüilizar os mercados em expansão nos países do Sul. Porém, evitam cuidadosamente qualquer confrontação com as vítimas, nunca convidadas a
testemunhar.
A manipulação dos governantes e opinião pública também tomou outros caminhos. Assim, no Brasil, pesquisas epidemiológicas são feitas geralmente por professores universitários - também consultores médicos de empresas - em condições incompatíveis com as exigências do rigor científico. Isto vale para a identificação dos ex-trabalhadores expostos – o Brasil possui quase 60% de trabalhadores sem carteira assinada, e um terço de sua população não tem acesso a cuidados médicos. Além disto, não há um conhecimento preciso das exposições ao amianto (medida da relação dose-efeito). Isto serve de desculpa para que se divulguem a supostamente provada inocuidade do crisotilo brasileiro. Estas análises pretensamente científicas são acompanhadas por uma ofensiva mundial dos meios de comunicação.
Na França, o Comitê Permanente do Amianto (CPA), organismo informal criado em 1982 por um gabinete de comunicação, agrupa, em torno dos
industriais, os cientistas que avalizam os poderes públicos que acobertam e os sindicatos que obedecem. O CPA será o interlocutor privilegiado da imprensa, o perito incontornável que louva sem parar o uso controlado do amianto.
Por sua vez, os industriais e o Estado canadenses oferecem aos jornalistas e sindicalistas estrangeiros viagens ao sítio das Thetford Mines, no Quebec,
um turismo dito sem risco na terra do amianto. A ajuda humanitária também não é esquecida: na Guatemala, o tremor de terra de 1976 permite à Duralit, filial local da Eternit, fornecer telhados de cimento-amianto financiados com o dinheiro das coletas de solidariedade. Em 1991, um protocolo de acordo chegou a ser assinado entre o Alto Comissariado para Refugiados da ONU e o grupo multinacional belga Etex. Os primeiros clientes não tardaram: Croácia, Guatemala e Ruanda-Burundi.
Para Herman e Thebaud-Mony, a reação das vítimas do amianto se dá nos terrenos da Justiça e da cidadania. Os processos revelam o drama dos doentes e de suas famílias, as práticas delituosas dos empregadores, a omissão culpada dos poderes públicos, dando a esse escândalo uma verdadeira dimensão política.
Nos Estados Unidos, o processo do século - mais de 300 mil queixas - se desenrola: a empresa Johns Mansville declarou-se falida em agosto de 1982 e criou um fundo de indenização, sendo seguida por outros industriais e suas companhias de seguro. Mas o fundo se esgotou logo, tamanho é o número de vítimas. Na França, entre 1996 e 2000, por iniciativa da Associação Nacional de Defesa das Vítimas do Amianto, mais de mil ações civis ou penais foram iniciadas. Elas são também processos abertos junto ao sistema de prevenção e reparação das doenças profissionais e de suas instituições, em particular a medicina do trabalho. No Brasil, atualmente o quinto produtor mundial, a
Eternit e a Saint-Gobain beneficiaram-se, para explorar o amianto, das benevolências da ditadura militar, que censurava toda informação referente à
saúde no trabalho e os riscos industriais. Este caso está na obra da própria Annie Thébaud-Mony, chamada LEnvers des sociétés industrielles. Approche comparative franco-brésilienne, editada por L Harmattan, Paris, 1990.
Por iniciativa da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto, criada em 1997, centenas de trabalhadores (ou famílias de vítimas falecidas) passaram a prestar queixas. Em 1998, a Eternit foi condenada a indenizar um ex-trabalhador. A Eternit e a Brasilit – filial brasileira da Saint-Gobain – propuseram então a seus ex-empregados um acordo amigável em cujos termos os operários devem renunciar a qualquer processo em troca de uma eventual indenização em caso de doença.
A auditora fiscal do trabalho, engenheira Fernanda Giannasi, em São Paulo, vem há mais de uma década denunciando publicamente estes acordos, que foram invalidados duas vezes pela Justiça brasileira. Fernanda foi processada
por difamação pela Eternit, o que suscitou um amplo movimento nacional e internacional de protesto e solidariedade. A Eternit perdeu na Justiça e renunciou a uma apelação.
Situação na Inglaterra e no Canadá
Em Londres, em 1999, cerca de 2 mil trabalhadores negros das minas da África do Sul apresentaram queixa contra seu ex-empregador, a firma britânica Cape Ltd. A Cape reagiu com uma campanha de imprensa, seguida
pelos jornais conservadores, que denunciaram o custo escandaloso, para os contribuintes britânicos, da indenização eventual dos assim chamados mineiros estrangeiros.
O Canadá, que exporta 99% de sua produção, empreende uma intensa atividade diplomática. Em 1994, no Brasil, por ocasião de um seminário internacional organizado pelo Ministério do Trabalho, o embaixador canadense falou, diante de sete ministros, sobre a preocupação de seu governo a respeito de um acordo entre o Estado brasileiro e os parceiros sociais para o fim progressivo do uso do amianto nos materiais de fricção. Em 1997, a embaixada do Canadá em Seul obteve do governo coreano a retirada de uma etiqueta que assinala os perigos do amianto canadense importado. Na
Europa, Ottawa passou a multiplicar as pressões depois da proibição francesa. Com isto, o primeiro-ministro Tony Blair atrasou por dois anos a decisão de proibição requerida pelas autoridades de saúde britânicas, em troca do
apoio canadense na crise da vaca louca.
Agora, reduzindo o direito à saúde a disposições técnicas, a arbitragem da OMC desloca a legitimidade do campo político para o campo da perícia científica e tecnocrática, fora de qualquer mecanismo democrático.
–Se a competência da OMC não for recusada nos campos em que pesa a cidadania, ou mesmo a simples dignidade, os princípios do direito elaborados ao longo da história dos povos - o direito à vida e à saúde, o direito à proteção do homem no trabalho, o direito à preservação dos ambientes naturais para as gerações futuras - serão submetidos, eles próprios, ao critério soberano da liberdade do comércio - assinalam os coordenadores da Rede Internacional Proibir o Amianto.
(Fonte: Le Monde Diplomatique - Edição brasileira, ano 1, número 5)