O desmatamento na Amazônia: a miopia do debate
desmatamento da amazônia
2005-05-27
O governo brasileiro acaba de anunciar o
índice anual
(2003-2004) de desmatamento na Amazônia. Um espanto!
Segundo o INPE, 2.6
milhões de hectares (26 mil km2) de florestas vieram
ao chão. Somente em
1995 registrou-se um valor maior (2,9 milhões ha) do
que o atual. Tal
fato confirma a suspeita de que um novo patamar de
desmatamento foi
atingido, já que a taxa média para os anos 90 não
ultrapassou os 1.7 milhões
de ha. Contudo, passada a indignação de praxe, a
sensação é que o
debate gerado não serviu para muita coisa. Talvez
porque o debate tenha sido
míope. O excessivo foco das discussões sobre o valor
da taxa de
desmatamento tem nos privado de uma discussão mais
profícua.
Na verdade, todos conhecemos as causas do
desmatamento, mas pouco
sabemos ou decidimos sobre o tipo de desmatamento que
é e não é aceitável ou
necessário. Independente de ideologias ou de
interesses econômicos,
todos concordam que as taxas com que a floresta vem
sendo derrubada devam
ser reduzidas, ou que são elevadas demais. No entanto,
há pouca
concordância sobre quanto deve ser uma redução
satisfatória, como consegui-la
e onde implementá-la. A miopia vem, portanto, da falta
de qualificação
do desmatamento. Para qualificá-lo é necessário que se
assuma a
premissa de que em algumas áreas ele é aceitável.
Assumindo tal premissa,
talvez seja mais fácil identificar e atuar contra
aquele desmatamento
indesejável do ponto de vista social, econômico e
ambiental.
No ano passado publicamos um livro intitulado
Desmatamento na
Amazônia: Indo Além da Emergência Crônica, onde
apresentamos sob qual ótica o
desmatamento seria apropriado ou inapropriado. O
desmatamento
inapropriado seria aquele que visa apenas tomar posse
de terras, ocorre em
terras que não são aptas a produção pretendida
(morros, alagados, etc) e,
por conseguinte é ilegal (atinge a reserva legal e as
áreas de proteção
permanente). Por sua vez, o desmatamento apropriado
seria aquele,
necessariamente legal, mas também o realizado em solos
aptos para
agricultura e, portanto, com baixo risco de abandono
precoce da atividade. Isso
separaria o desmatamento que decorre das ações de
grilagem - como aquele
que tem afetado aceleradamente a região da Terra do
Meio e da BR-163 no
Pará, onde, segundo dados de 2003/2004, se concentram
três dos cinco
municípios campeões do desmatamento (São Félix do
Xingu, Novo Progresso,
Altamira) - daquele desmatamento autorizado e
permitido para cada
proprietário no âmbito do Código Florestal.
Definições como estas poderiam ser úteis para
qualificar o debate sobre
o desmatamento na Amazônia. No entanto, não há
profusão de tal debate.
E isto acontece pela falta de informações claras e
oficiais sobre as
origens e características do desmatamento. Quem
derruba mais, em que tipo
de fronteira e sob qual dinâmica (econômica e social)
local (e não
somente regionais ou nacional) a floresta é desmatada,
são ainda questões
sem respostas claras. Sem conhecer tais respostas,
fica difícil criar as
bases para uma escolha acertada entre desmatamento
desejável e
indesejável. Se superarmos tais entraves, será mais
fácil compreender o espanto
em relação ao anúncio das taxas de desmatamento e nos
orientarmos na
busca de uma melhor política de ocupação da Amazônia.
A correção da
miopia só será conseguida quando deixarmos de discutir
a flutuação das taxas
para debatermos de uma vez por todas que tipo de
ocupação da Amazônia
os brasileiros querem e sob quais condições.
Focalizando o debate sobre o desmatamento na Amazônia
1. O desmatamento na Amazônia deve ser
encarado a partir da
premissa de que há tipos de desmatamento que podem ser
aceitos e trazem
benefícios para a sociedade. O critério de aceitação
neste caso seria
estabelecido pelo nível dos benefícios para a
sociedade e do impacto que
causam sobre o ambiente. Ao assumir essa premissa,
fica mais fácil
atuar de maneira focalizada sobre aquele desmatamento
inapropriado.
2. O desmatamento inapropriado, que deve
ser alvo de
programas de redução, é aquele que: (a) visa apenas
tomar a posse da terra
para especulação; (b) ocorre em terras inapropriadas
para a agricultura
ou a pecuária devido ao relevo acidentado, solos
inadequados, altos
índices de precipitação, distância elevada dos
mercados e ausência de
estradas; (c) é pouco produtivo; (d) é ilegal (atinge
a reserva legal e as
áreas de proteção permanente); (e) ocorre em áreas de
elevado valor para
a conservação ou utilização sustentável da
biodiversidade (áreas ainda
não protegidas por unidades de conservação); (f)
ocorre em áreas onde a
melhor opção econômica de uso da terra é florestal -
seja para produção
madeireira, não madeireira, ou ambas.
3. O desmatamento pode ser considerado
apropriado quando
reunir os seguintes critérios: (a) seja realizado de
forma legal,
cumprindo os preceitos das leis ambientais (p.ex. o
Código Florestal); (b)
seja realizado em solos aptos para agricultura e
produtivos; (c) ocorra em
áreas com infra-estrutura adequada e, portanto, com
baixo risco de
abandono precoce da atividade; (d) traga benefícios
socioeconômicos e
ambientais às populações tradicionais da Amazônia
(quilombolas, caboclos,
indígenas) e pequenos agricultores.
4. Para evitar o desmatamento inapropriado
será necessária
uma estratégia integrada baseada em processos de
planejamento ao longo
de novos corredores econômicos, com a participação das
várias esferas
de governo, incluindo as prefeituras e os diversos
atores sociais
existentes na região. Decisões econômicas e políticas
interferem diretamente
nos fluxos migratórios e no tipo de ocupação ao longo
dos corredores
econômicos da Amazônia. Estes corredores devem,
portanto, ser tratados
como uma unidade geográfica dos processos de
planejamento regional
participativo. As rodovias em asfaltamento representam
novos focos de
desmatamento e são as áreas onde o governo e a
sociedade civil podem ter o
máximo de influência sobre a dinâmica de conversão da
cobertura vegetal.
Este processo já está em andamento, liderado pela
sociedade, na
Transamazônica, na Cuiabá-Santarém e na Transoceânica
(estrada para o
Pacífico).
5. Dentro dos planos de desenvolvimento de
cada corredor
econômico é necessária uma abordagem diferenciada para
cada tipo de
fronteira, visando à gestão de recursos naturais que
maximize os benefícios
para a sociedade amazônica e brasileira como um todo.
5.1. Nas Fronteiras Empresariais de agropecuária
consolidada, onde
a viabilidade da agricultura em grande escala é alta
(como grandes
áreas no norte do Mato Grosso e sul do Pará), o
desafio principal em curto
prazo é o de fazer com que os produtores cumpram as
determinações do
Código Florestal. Uma oportunidade neste sentido é a
implementação do
sistema de licenciamento de propriedades rurais do
Governo do Estado do
Mato Grosso atrelado à certificação de propriedades e
de produtos do
agronegócio. No entanto, falta definir medidas
complementares que
desestimulem o desmatamento inapropriado e ilegal.
Incentivos de mercado para
aqueles que produzam de forma ambientalmente
sustentável, como já ocorre
na exploração florestal, poderão proteger os recursos
naturais em
paisagens de alta produtividade agrícola e pecuária.
5.2. Nas Fronteiras Familiares, onde a
agricultura familiar está
consolidada ou em processo de consolidação, como a
Transamazônica, o
desafio principal é fortalecer e apoiar as iniciativas
de gestão de
recursos naturais já em andamento, como o Proambiente,
as casas familiares
rurais e investimento na gestão de unidades de
conservação (p.ex. Terra
do Meio). Apesar do desmatamento continuar nessas
áreas, motivado
principalmente pela expansão das áreas de pastagem,
existem associadas a
esta, outras práticas de uso do solo mais
diversificadas e que trazem
benefícios mais diretos para um maior número de
pessoas que vivem na região.
Portanto, estas áreas apresentam um consórcio de
atividades associadas
ao desmatamento que é socialmente mais aceitável.
5.3. Nas Fronteiras de Expansão Explosiva, onde o
governo está
ausente ou inexpressivo, o desmatamento ocorre de
maneira frenética tendo
a grilagem de terras e a exploração madeireira ilegal
como sua força
motriz, as intervenções devem ser no sentido de conter
o desmatamento e a
exploração madeireira desordenada com exemplos de
punição imediata dos
principais agentes da ilegalidade, até que a
implementação de um plano
de ordenamento e gestão territorial seja possível. Por
exemplo, o
desafio principal em áreas como Castelo de Sonhos,
Novo Progresso e Moraes
de Almeida, na rodovia Cuiabá-Santarém, é o de
prevenir o desperdício
dos recursos naturais pelo desmatamento em áreas
inapropriadas para a
agricultura e pecuária e conter a extração ilegal de
madeira. (fonte: Ipam - Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia-Ipam - http://www.ipam.org.br)