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2005-05-25
O aumento do desmatamento na Amazônia não deve fazer com que o governo desista do projeto de asfaltar a estrada BR-163, que corta um vasto trecho da floresta. Segundo Johaness Eck, sub-chefe ajdunto da Casa Civil, representantes de 21 ministérios vêm se reunindo para debater os diferentes temas ligados à pavimentação e já foi feita uma série de consultas públicas em cidades na área de influência da estrada. Apesar do já elevado índice de destruição da floresta, ressaltado em dados oficiais divulgados semana passada, o governo considera prioridade o asfaltamento da rodovia que corta a Amazônia.

O argumento é que a melhora da estrada facilitará o escoamento da soja produzida no Mato Grosso, o principal produtor do cereal, que impulsionou o Brasil a se tornar um dos maiores exportadores e produtores mundiais de soja. O governo afirma que o asfaltamento irá baratear o frete de produtos agropecuários e encurtar a viagem. Atualmente, por conta da precariedade da estrada, a exportação da soja e da carne mato-grossense acaba tendo de ser feita pelos portos de Santos (SP) e de Paranaguá (PR), em vez de pelo porto de Santarém (PA), muito mais próximo.

Os dados divulgados pelo próprio governo brasileiro mostram que no período de 2003 a 2004 o desmatamento na Amazônia atingiu a marca de 26.130 quilômetros quadrados, um crescimento de mais de 6% em relação à área anterior. O índice, afirma a organização ambiental Greenpeace em um relatório preliminar, é maior que a média anual registrada durante o regime militar, quando foram abertas picadas na floresta para criar a BR-163. O governo argumenta que a elevada taxa de desmatamento recém-divulgada se deve ao fato de que quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse, em 2003, a taxa de desmatamento na Amazônia era de 27% ao ano. — Nós conseguimos frear essa taxa e fazer com que ela chegasse a 6%, que ainda é uma taxa alta, mas que será reduzida - diz Eck à BBC Brasil.

Cenário inesperado
Ao longo da BR-163, são inúmeras as áreas em que a floresta deu lugar ao cultivo de soja e à prática agropecuária, como pôde ser observado pela reportagem da BBC Brasil, que percorreu a estrada em seu principal trecho – entre a capital do Mato Grosso, Cuiabá, até Santarém. O cenário, especialmente no trecho mato-grossense da estrada, é composto basicamente de fazendas. Nessa parte, é muito mais fácil ver vacas do que macacos-aranhas de cara branca ou capivaras.

Nos últimos anos, um dos principais agentes na transformação do cenário amazônico foi o cultivo de soja. Para muitas organizações não-governamentais, a soja é um dos maiores vilões da região, uma vez que seu cultivo ameaçaria a biodiversidade local e vem provocando a abertura de clareiras na floresta. De acordo com Marcelo Furtado, do Greenpeace, não deveria haver conversão da floresta para a atividade agrícola. Segundo o ambientalista, — o Brasil conta com áreas suficientes para a agricultura, inclusive algumas já desmatadas.

Cenário da Amazônia mudou muito nos últimos anos
O Greenpeace afirma que mais de 48% do desmatamento amazônico ocorreu no Mato Grosso. Segundo dados do governo federal, houve um declínio do desmatamento em quase todos os estados da região amazônica, à exceção de Rondônia e Mato Grosso, onde teriam sido registrado aumentos. Mas o governador mato-grossense, Blairo Maggi, defende uma posição diametralmente oposta à dos que acusam seu Estado. — O Mato Grosso tem só 20% de seu território desmatado. E ocupamos apenas 8% de nossas terras para a agricultura. Os números podem ser manipulados da maneira que cada um quer. De 2003 para 2004, o Mato Grosso diminuiu 2% sua área de desmatamento, enquanto houve aumento de 6% nos outros Estados da Amazônia legal.

Maggi, que também planta soja, afirma que o cultivo do cereal no Mato Grosso não visa atender a seus próprios interesses. — Eu planto 150 mil hectares numa área de 8 milhões de hectares. Então, é um certo disparate dizer que eu sou o responsável por tudo isso. No exterior já me chamaram até de Nero da Amazônia. Desconsidero isso. Acho engraçado.

Transformações
Nos próximos três anos a Amazônia poderá sofrer transformações ainda maiores do que as provocadas pela expansão da atividade agrícola. Nesse período, o governo pretende concluir o asfaltamento do trecho não-pavimentado da BR-163 – cerca de mil quilômetros de estrada no Pará. Cruzar os mais de 1,7 mil quilômetros da rodovia pode ser uma aventura, em especial durante o período de chuvas. Na região Norte, essa fase costuma durar até seis meses. Uma chuva de pouco mais de uma hora pode transformar a estrada em uma rio de lama. Nesse contexto, não surpreende que mesmo um veículo alto e com tração nas quatro rodas só consiga cruzar a estrada com o auxílio de tratores de particulares que faturam alguns trocados rebocando veículos que ficam presos em atoleiros ao longo da rodovia. São comuns relatos de pessoas que perderam parentes e amigos, impedidos de levá-los a hospitais ou postos médicos em cidades nas imediações por conta das condições da BR. As condições lamentáveis da estrada e a escassa presença de autoridades federais na região abrem caminho para incontáveis atos de violência. O mais notório deles foi o assassinato da freira americana Dorothy Stang, em fevereiro deste ano. A religiosa estava há mais de duas décadas no Pará e se dedicava a defender os interesses de pequenos proprietários e trabalhadores rurais.

Além de querer aumentar a presença do Estado e de buscar caminhos menos tortuosos para produtos agrícolas, o governo diz se preocupar também com prováveis impactos ambientais do projeto de asfaltamento. Por esse motivo, a administração Lula já criou 8 milhões de hectares de unidades de conservação na Amazônia.

Entidades ambientais, que têm adotado uma posição pragmática em relação à pavimentação da rodovia, querem mais garantias. — Não estamos negando a necessidade de gerar empregos e desenvolvimento. Mas muitas vezes a realidade atropela o discurso, que acaba ficando só no papel. Precisamos ter salvaguardas. As vítimas do avanço descontrolado não podem ser nem a floresta e as populações que lá vivem - afirma Marcelo Furtado, do Greenpeace. (BBC Brasil, 22/05/2005)

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