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2005-05-24
Por Carlos Matsubara

O município de Aracruz, no centro do Espírito Santo, aproximadamente 70 km de Vitória, vive uma situação delicada e perigosa. Em jogo, muitos interesses. Por parte dos índios que reivindicam suas terras de volta, mas também pelo lado da Aracruz Celulose, que começou a comprar grandes áreas em 1967 e a operar sua fábrica 11 anos depois, sempre adquirindo terras.

Índios de uma tribo de guaranis saíram do litoral do Rio Grande do Sul por volta de 1940, em busca da chamada Terra Sem Males. Chegaram ao Espírito Santo em 1968. No caminho, plantaram aldeias. Cada parada servia para cuidar de seus enfermos, nascimentos e enterros. Ao chegar, se misturaram com outras etnias como os tupiniquins.

O cacique Werá Kwaray, da aldeia guarani de Boa Esperança, relembra: — Cheguei aqui com 3 anos, e os pensamentos que todos tinham era morar em uma mata com muitos rios, animais, em contato com a natureza, como foi revelado a nós.

Kwaray e demais membros da tribo foram encaminhados, à época, pelo governo do Estado e pela recém formada Funai para uma fazenda em Minas Gerais, onde já estavam outras tribos. Em 1977 as duas etnias começavam a se unir e dali surgiram às primeiras aspirações e o primeiro conflito para retomar as terras que já estavam em poder da Aracruz.

A empresa alega que adquiriu as terras diretamente dos seus legítimos proprietários, segundo documentação comprobatória da linha sucessória de proprietários, conforme, inclusive, prescrito pela lei. Segundo a Aracruz, mais de 80 proprietários estavam nestas terras há várias gerações e muitos advindos da imigração italiana ao Brasil.

A Aracruz vai além:
— Não havia comunidades indígenas habitando as propriedades adquiridas - na época a Reserva nem havia sido criada- ,não tendo havido portanto qualquer ato de expulsão dessas comunidades. No momento da sua aquisição não existia nenhuma disputa nem questões controversas nas áreas adquiridas.

O acordo

A segunda vez em que os índios se pintaram para a guerra foi em 1997, desta vez para impedir a expansão do eucalipto. A comunidade reivindicava a homologação de 18.071 hectares reconhecidos como Terra Indígena pela Funai, através de um estudo realizado em 1994 por um grupo técnico especializado.

Segundo os índios, o ministro da Justiça, na época, Íris Rezende, teria decidido pela redução da área indígena de 18.071 para 7.061. No ano seguinte, os índios, alegando inconstitucionalidade da decisão, decidiram pelo que chamam de autodemarcação . A Polícia Federal entrou na parada e reprimiu o movimento. Em decisão judicial, a Aracruz recuperou a área.

Aí é que começa a grande discórdia. As novas lideranças afirmam que, naquela ocasião, alguns caciques foram levados para Brasília, sem direito a assessoria jurídica, e na capital federal teriam sido literalmente obrigados a assinar um acordo com a empresa, sob a ameaça de perderem todas as terras.

Pelo acordo firmado, a empresa poderia explorar 11.009 hectares das terras. Por sua vez, a Aracruz comprometeu-se a repassar às comunidades um valor total de R$ 13,5 milhões no prazo de 20 anos. De acordo com a assessoria de imprensa da Aracruz, o valor excede esta cifra, porque a área incorporada à reserva indígena possuía 1.700 ha de eucaliptos, cujo valor estimado em 1998 foi de R$ 3,5 milhões. Os valores são atualizados a cada repasse, com base no IGPM ou IPC, prevalecendo o que for maior.

A empresa se defende afirmando que jamais houve qualquer pressão sobre as comunidades. Em 2002, os acordos foram revistos, com a assinatura de Termos Aditivos. Segundo esses Termos, a Aracruz elevou para R$ 1.400.000,00/ ano (valores de 2002) os recursos destinados a projetos de geração de renda, comprometendo-se ainda com diversas outras ações, como pagamento de bolsas de estudo de alunos universitários, desenvolvimento de um programa de empregabilidade, estudo de recuperação de rios que cortam as comunidades, assim com um projeto de reflorestamento.

— Essa revisão, que substituiu na prática o acordo anterior, foi feita com igual acompanhamento da Funai e do Ministério Público Federal, além de contar com ampla participação das comunidades que, inclusive, votaram internamente por sua aprovação — diz a empresa em nota ao Ambiente JÁ.

Segundo lideranças indígenas ouvidas pelo site www.seculodiario.com, os tais projetos não atendem de forma satisfatória às sete aldeias que vivem em situação de extrema pobreza, com falta de infra-estrutura, atendimento médico-hospitalar e saneamento e transporte. Isso sem falar nos bens imateriais, como desgaste da cultura indígena, com a perda do espaço para a realização dos rituais religiosos, falta de material para a confecção de artesanato e da mudança de hábitos típicos de sua cultura como a caça, a pesca e a cura pelo uso de ervas.

O acordo, dizem, nunca foi aceito pelos índios, e só contribuiu para fomentar na comunidade o desejo de retomada das terras. Com o corpo pintado de urucum, e descascando uma aribá (que depois viraria uma espécie de borduna), o cacique Jaguareté afirmou que o sentimento de retomada é o mesmo de antes do acordo. Só que muito mais forte, porque todos sabem que este é o momento da verdade. O sentimento dos índios é de que, se não retomarem suas terras agora, correm o risco de jamais tê-las de volta.

Além das obrigações previstas nos Acordos, a Aracruz afirma desenvolver inúmeras ações voluntárias de apoio às comunidades, nas quais já teria desembolsado mais de R$ 23 milhões desde 1998 e gerado desde então 306 empregos diretos. A empresa ressalta que as condições favoráveis geradas pelo acordo, aumentaram em 50% o número de pessoas das tribos tupiniquins e guaranis.

Dados da Funasa indicam que há mais de dois anos não ocorrerem óbitos infantis nas comunidades indígenas. A Aracruz, reconhece, no entanto, que sua contribuição para a comunidades não atende plenamente suas necessidades, — embora sejam significativas. Diz a assessoria: — As comunidades padecem de problemas estruturais da economia brasileira, como carência de emprego, assim como da desassistência do setor público em áreas básicas como saúde e educação. Isso as faz voltarem-se muitas vezes para a Aracruz, na expectativa de que essas necessidades sejam satisfeitas.

A nota da Aracruz acrescenta: — Por maior que seja, a ação individual de uma empresa não conseguirá superar todos os problemas. Para que isso aconteça, é necessário, entre outros fatores, uma articulação maior entre o setor público, ONGs e outros segmentos da sociedade, em um esforço conjunto, da qual a Aracruz deve ser apenas uma das participantes.

Índios insatisfeitos

O movimento iniciado na última terça-feira (17/5) não foi feito às pressas. Durante cinco anos, cada passo da nova tentativa de autodemarcação foi cuidadosamente estudado. Mesmo com a notícia de que a Aracruz havia conseguido junto à Justiça uma liminar de reintegração de posse, os índios garantiram que não sentariam para conversar com a empresa enquanto não concluíssem a autodemarcação. E desta vez, se conversa houvesse, seria na aldeia e não em Brasília.

— Hoje quem fala até onde a empresa vai chegar somos nós. Ela não vai dizer até onde nós podemos ir dentro de nossa própria terra, disse a índia Iara Tupã, 46, uma das lideranças femininas de maior influência nas comunidades de Aracruz.

O sonho dos índios capixabas é o mesmo dos índios do resto do País: resgatar suas origens e preparar-se para o futuro. Mas, dentro da comunidade indígena capixaba, os sonhos têm várias faces.

Para os mais velhos, como o índio tupiniquim Antonino, 69 anos, que acompanhou todas as lutas e seguia firme e orgulhoso nesta nova empreitada, o futuro já havia chegado. O prazer de pisar na terra onde antes existiam as aldeias Olho Dágua, Areal, Dos Macacos, entre outras, lembrando dos amigos e parentes que ali viviam já era o suficiente para o velho índio. — Aqui vivia minha irmã. Ali tem um córrego e mais atrás plantávamos mandioca, cará, taioba, inhame e nunca tínhamos ouvido falar em carne de açougue. Mas quando a empresa chegou tudo isso acabou.

Para os mais jovens, recuperar a terra significa um contato maior com a crença religiosa, já que os índios acreditam que os deuses se revelam em fenômenos da natureza e que o maior deles está na floresta. Além disso é garantia de trabalho, pois é da floresta que retiram, além do alimento, material para a confecção de peneiras, remos, cestos e outros utensílios.

Se o sonho da Terra Sem Males antes era uma busca dos guaranis, hoje esse sonho foi inteiramente incorporado pelas duas etnias. Independente da ameaça de repressão, os índios não vão desistir da retomada. Desta vez, mais organizados, mais determinados e em maior número, os índios não pensam em recuar.

Por outro lado, a Aracruz notificou à Funai, a Associação Indígena Tupiniquim de Comboios (AITC) e à Associação Tupi-Guarani (AITG) que a última ação dos índios foi uma invasão ao direito de propriedade. A empresa decidiu suspender o cumprimento das obrigações previstas pelo acordo celebrado há cinco anos atrás. Ainda na notificação, a Aracruz afirma que uma vez cessada a hostilidade, não se furtará ao diálogo para restabelecimento das condições originais do acordo. (Com informações do site www.seculodiario.com)

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