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2005-05-23
Conhecido como terra do sol nascente, país invejável em questões sanitárias, famoso pela saúde de sua população, o Japão foi o último lugar do planeta a apresentar pessoas contaminadas pelo vírus do HIV quando a maioria dos países já exibia números alarmantes. Hoje pesa sobre sua fama de lugar sadio a maior incidência de câncer gástrico no mundo. São 780 casos para cada 100.000 habitantes em todo o país, segundo a Organização Mundial de Saúde. Doença que sempre existiu, inclusive entre os japoneses, o câncer gástrico esteve e ainda está associado à dieta rica em sal, mas nos últimos anos cresceu a ponto de ser o segundo mais freqüente no mundo, com 800.000 novos casos por ano. No Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o câncer gástrico é a segunda maior causa de mortes por câncer: 12,1 casos por 100.000 habitantes.

Como a maioria dos cânceres, é decorrente de vários fatores que vão da consangüinidade ao abuso de tabaco e álcool. O gástrico, entretanto, é mais comum em pessoas que mantêm uma dieta pobre em vitaminas A e C; e tem nos nitratos que vão parar no estômago um grande vilão. Os nitratos sempre estiveram presentes na dieta humana, mas nos últimos anos, com a larga escala de industrialização dos alimentos, manifestaram-se em maiores quantidades, tanto por meio dos embutidos, enlatados e conservados em sal, quanto pelo aumento das fertilizações agrícolas à base de NPK (símbolo químico do nitrogênio, fósforo e potássio), que visam acelerar o crescimento das plantas. Com um agravante moderno: nos campos de golfe, segundo a The U.S. Environmental Protection Agency (EPA), usam-se de quatro a sete vezes mais fertilizantes do que no cultivo de alimentos. Por coincidência, o Japão é o país que mais construiu campos de golfe nos últimos anos. Há dez anos eram 100 campos de golfe, hoje são 2.580 campos. Na Ásia o golfe foi o esporte que mais cresceu e, dos 30 milhões de jogadores, 20 milhões são japoneses.

Os campos de golfe no Japão são construídos em cima das montanhas, cujos picos são rebatidos para a construção de terraplanagens gigantescas. Logo se utilizam toneladas de tratamentos à base de fertilizantes nitrogenados para plantar a grama e depois conservá-la em estado ideal para a prática do esporte. O Japão, apesar de seu tamanho -- 377.815 km², área semelhante a do Estado do Mato Grosso do Sul --, tem hoje 36% dos campos de golfe do planeta, ficando atrás apenas dos Estados Unidos que, numa área de 9.372.614 km², concentram 43% dos campos de golfe. A participação do Japão no consumo mundial de fertilizantes é de 1,4%, extremamente alta para o tamanho do país. Quarto do mundo, o Brasil tem uma participação de 4,2% no ranking desse consumo liderado pelos Estados Unidos.

A bactéria da hora

A medicina ainda não vinculou o câncer gástrico ao consumo de água contaminada por nitratos. Segundo a nova tendência médica de ligar o câncer a causas bacteriológicas e tratá-lo com antibióticos preventivos, partiu curiosamente do Japão a tese (UEMURA.; 2001) mais difundida entre os especialistas em gastrenterologia a respeito da alta incidência de câncer gástrico no mundo: a bactéria Helicobacter pylori estaria associada ao câncer gástrico em 2,9% dos pacientes com idade média de 50 anos e que foram acompanhados por 7,8 anos no Japão. Nenhum dos pacientes não infectados pela H. pylori apresentou câncer gástrico.

As estimativas mundiais sobre a infecção pela H. pylori são polêmicas: cerca de 50% da população mundial está infectada por ela. A Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer (IARC), na França, atribuiu uma maior incidência da bactéria nos países em desenvolvimento. No Brasil calcula-se que sejam 70% e na África passa dos 90%. O continente africano, entretanto, apresenta incidência baixa de câncer gástrico e baixíssimo consumo de fertilizantes na agricultura, não chegando a constar na lista dos vinte primeiros divulgada pela OMS. Campos de golfe na África não são comuns exceto no sul do continente. (Por Cláudia Rodrigues, especial para o Ambiente Já)

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