Presidente da AL, deputados, juiz e promotor acusados de grilar terras no Amapá
2005-05-17
Relatório entregue pela Superintendência Regional do Incra ao Ministério Público Federal no Amapá revela uma parte do tamanho da grilagem de terras da União no Estado e o envolvimento de autoridades como o deputado federal Gervásio Oliveira, o presidente da Assembléia Legislativa, Jorge Amanajás, o deputado estadual Eider Pena, o juiz César Augusto Scapin, o procurador aposentado Hernandes Lopes Pereira, além de empresários e servidores públicos.
Um relatório entregue pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ao Ministério Público Federal no Amapá na quarta-feira, 11, aponta uma parte do tamanho da grilagem de terras da União no Estado e o envolvimento de autoridades locais, como o deputado federal Gervásio Oliveira (PMDB), o presidente da Assembléia Legislativa, Jorge Amanajás (PSDB), o deputado estadual Eider Pena (PDT), o juiz de Direito César Augusto Scapin, o procurador de Justiça aposentado Hernandes Lopes Pereira, além de empresários e funcionários públicos. A denúncia foi abordada em março passado pela Folha do Amapá, revelando o avanço do plantio de soja nas terras públicas do Amapá.
O levantamento em campo foi realizado durante três meses — fevereiro, março e abril de 2005 — após várias denúncias de ocupação ou exploração de terras da União, formuladas ao órgão, inclusive pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os técnicos do Incra realizaram o estudo para averiguar as denúncias em quatro áreas distintas, localizadas nos municípios de Macapá, Itaubal do Piririm e Tartarugalzinho. De acordo com o relatório, nem mesmo as comunidades quilombolas do Estado escaparam da ação de grileiros.
As áreas em geral foram adquiridas de pequenos produtores em processo de regularização fundiária, de posseiros que venderam terras que não lhes pertenciam ou simplesmente ocupadas indevidamente.
Com base no levantamento ficou constatado, por exemplo, que as fazendas dos deputados Eider Pena e Jorge Amanajás, onde vem sendo realizado o plantio de soja no Estado, foram adquiridas de posseiros ou de produtores que tentavam se regularizar no Incra, somando juntas um total de aproximadamente cinco mil hectares. Entre os contratos de compra dessas áreas há dois processos de regularização fundiária em nome de Neuza Maria Souza de Melo e Célio Souza de Melo. Jorge Amanajás pagou a Neuza Maria de Souza R$ 20 mil por uma área de 500 ha e R$ 12 mil a Célio Souza por uma outra área de 474,3 ha.
A Superintendência do Incra constatou que mesmo com a venda das terras ao parlamentar os processos ainda tramitavam dentro Instituto em nome dos antigos pretendentes. Os lotes ficam localizados no ramal que liga Macapá à localidade de Bonito da Pedreira, onde Eider Pena e Jorge Amanajás são detentores das fazendas Peixe Boi e Lago Azul.
Posse sem registro - Na mesma região, em continuidade as mesmas áreas, o presidente da Assembléia pagou R$ 35 mil a José Ciriaco Ramos por uma área de 403,5 ha que se encontra em litígio. Eider Pena pagou R$ 60 mil a Jofre dos Santos Costa e Creuza de Fátima Maldonado Costa por 834 ha. Juntos, os dois parlamentares adquiriram ainda 1.000 ha de Walter Menezes Filho e 1.325 ha do ex-deputado estadual Roberval Picanço, posses sem registro de ocupação no Incra. O valor da compra das duas áreas é desconhecido.
O presidente da Assembléia negou que seja grileiro e disse estar ocupando pacificamente terras devolutas.
Recentemente o coordenador da Comissão Pastoral da Terra, Sandro Gallazzi, afirmou que não há terras devolutas no Amapá. O que não está regulamentado pelo Incra pertence aos municípios, ao Estado ou a União.
De acordo com a Constituição Federal, a ocupação de terras públicas constitui-se violação do artigo 20 da Lei 4.947 de 06 de abril de 1966, que assim dispõe: invadir, com intenção de ocupá-las, terras da União, dos Estados e dos Municípios, a pena é detenção de seis meses a três anos.
Grileiros da elite amapaense
As demais autoridades citadas no relatório — o deputado federal Gervásio Oliveira, o juiz Cezar Scapin e o procurador Hernandes Lopes — ocupam áreas que haviam sido adquiridas irregularmente pela empresa Amapá Celulose (Amcel) e que depois foram devolvidas à União. As terras ficam localizadas próximas ao município de Tartarugalzinho, na Fazenda Teimoso, vendida por Miguel Pinheiro Borges à Amcel com um quantitativo de área de 15.079,370 ha.
De acordo com o relatório técnico do Incra, a área ocupada pelo juiz de Direito é algo em torno de 2.500 ha. Perto dali o procurador Hernandes Lopes ocupou uma outra área, também medindo 2.500 ha, onde produz mamona, leucena, indiano e fungo para a produção de biodiesel. Segundo depoimentos de agricultores aos técnicos do Incra, a atividade do promotor faz parte de um projeto que envolve diversos posseiros na região, a maioria agrônomos.
O promotor e o juiz são vizinhos do deputado federal Gervásio Oliveira, ex-secretário de Obras do Governo do Estado. A área ocupada pelo parlamentar está arada e cercada, porém o relatório não aponta o tamanho da propriedade.
Talvez cientes de que não se enquadram nas normas vigentes para regularização de terras públicas, os ocupantes das áreas não procuraram o Incra para solicitar a regularização da ocupação.
Trapaça - O levantamento não deixa dúvidas sobre o avanço na ocupação e grilagem de terras no Estado. A 25 quilômetros de Macapá, pela Rodovia AP-70, na comunidade quilombola do Rosa, dois empresários do Rio Grande do Sul conhecidos como Edson Luiz Petry e José Petry solicitaram junto ao Incra a regularização de duas áreas de 100 ha cada uma. O estudo topográfico realizado nos lotes cercado pelos empresários saltou para 600 ha, ou seja, grilagem de mais 400 ha. Segundo dados do Incra, o restante da área grilada pertence à comunidade quilombola do Rosa.
Relatório pede cancelamento de cadastros
A conclusão do relatório é que pessoas influentes da sociedade amapaense, com mandatos legislativos, empresários e servidores públicos estão comprando ou ocupando terras públicas da União no Estado sem que seja respeitada a legislação em vigor.
O documento propôs o cancelamento de vários cadastros e arquivamento de processos comprovadamente envolvidos no comércio de terras, para a retomada das áreas em defesa do Patrimônio da União. As áreas adquiridas pelos deputados Eider Pena e Jorge Amanajás, cujos processos continuavam tramitando no Incra em nome dos antigos posseiros, estão com os cadastros cancelados e os processos administrativos arquivados.
O Ministério Público Federal ainda não se manifestou sobre as denúncias apresentadas pela superintendente do Incra, Cristina Almeida. O procurador-geral, Paulo Olegário, está viajando e retorna nesta sexta-feira ao Amapá.
Para a superintendente Cristina Almeida, o relatório tem tudo a ver com o projeto de transferência das terras da União para o Estado:
— A defesa do interesse dessas autoridades na transferência dessas áreas está claro que é em benefício próprio e não em benefício da população, como é dito várias vezes pelos deputados quanto defendem a questão do desenvolvimento através da soja. É preciso uma ação emergencial dentro do Estado para a preservação da floresta — analisa Cristina Almeida.
Cristina acredita que precisa ficar claro para a sociedade que as terras públicas no Estado não estão sendo invadidas por pessoas de outros Estados, mas sim por pessoas daqui mesmo que estão iniciando esse processo de grilagem:
— Se o Incra tivesse cumprido seu papel no Estado ao longo dos últimos anos a situação não teria chegado a esse ponto — avalia.
Na quarta-feira, a superintendente do Incra viajou para Brasília onde foi apresentar o relatório ao superintendente nacional do órgão.
Recentemente, o coordenador da CPT, Sandro Gallazzi, lembrou que essa prática é crime e pediu pena de prisão aos envolvidos nesse tipo de irregularidade. Gallazzi fez o mesmo tipo de denúncia à CPI das Terras, da Assembléia Legislativa, e as informações apresentadas pela CPT foram fundamentais na elaboração do relatório final da CPI, concluído em janeiro passado, mas ainda não aprovado em plenário.
Silêncio - Procurado pela Folha no Fórum Desembargador Leal de Mira para falar sobre o assunto, o juiz César Scapin foi informado da denúncia, mas respondeu que não poderia atender devido a uma audiência no Tribunal de Regional Eleitoral (TRE). O mesmo contato também foi feito com os gabinetes dos deputados Jorge Amanajás e Eider Pena. As assessorias dos dois parlamentares ficaram de dar resposta, mas não houve retorno. O procurador Hernandes Lopes mora em Fortaleza e vem a Macapá uma vez por mês.
Denúncia tratada como fato político
Entretanto, depois que a denúncia se tornou pública, quarta-feira os deputados Jorge Amanajás e Eider Pena reagiram e usaram a tribuna da Assembléia Legislativa para se
defender. Todavia, a denúncia feita pelo Incra foi tratada como um fato político, deixando-se de lado a parte técnica. O primeiro a se manifestar foi o deputado Dalto Martins (PMDB), que acompanhou a entrevista de 15 minutos dada pela superintendente Cristina Almeida ao programa Tribuna da Cidade, na Rádio Cidade FM.
Dalto considerou grave a denúncia de Cristina Almeida pelo fato de ela ter dito que deputados estaduais — sem revelar nomes — estariam envolvidos com a grilagem de terras no Estado:
— Sou contra a grilagem e a senhora Cristina precisa vir a esta Casa e declinar nomes, pois a denúncia não pode ser generalizada — criticou Dalto Martins, ao apresentar requerimento de urgência convidando a superintendente para se pronunciar na tribuna da Assembléia. O requerimento foi aprovado por unanimidade.
Em defesa de Cristina Almeida, o deputado Ruy Smith (PSB) criticou a transformação de um relatório técnico em uma situação política. Smith disse que o trabalho dos técnicos do Incra foi feito durante três meses, quando várias pessoas nas áreas investigadas foram ouvidas e denúncias foram checadas:
— Não adianta tentar descaracterizar um trabalho que foi desenvolvido de forma correta. O certo agora é deixar a apuração das denúncias por conta do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e pela direção nacional do Incra — destacou o deputado.
Os deputados Jorge Amanajás e Eider Pena, que aparecem como ocupantes do maior volume de terras que teriam sido adquiridas de maneira ilegal, foram os mais contundentes nas críticas à superintendente do Incra. Os dois esqueceram a questão técnica e partiram para os discursos políticos direcionados ao senador João Alberto Capiberibe (PSB), mas sem apresentar qualquer documento comprovando que adquiriram as terras por meios lícitos:
— O Incra no Amapá é inoperante. E não tem jeito, pois as terras vão passar para o domínio do Estado e ninguém irá impedir o nosso progresso — discursou Amanajás, afirmando ter certeza de que Cristina Almeida não irá atender o convite aprovado pelo requerimento de Dalto Martins:
— Não concordo com o termo grileiro. Me considero posseiro e não estou agindo de maneira ilegal. Esta moça está a serviço do senador Capiberibe — reclamou Eider Pena.
Já o deputado Roberto Góes limitou-se a dizer que o Incra no Amapá não se mostra disposto a contribuir para resolver o conflito de terras. Jorge Amanajás também atacou o lado funcional de Cristina Almeida, fazendo questão que a imprensa fosse informada que a mesma é funcionária da Assembléia Legislativa, esquecendo que como superintendente do Incra no Amapá ela está investida de função pública, ocupando cargo de nível federal. (Folha do Amapá, 16/5)