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2005-05-11
Segundo publicou o jornal O Estado de São Paulo (OESP) no último domingo (08/05), muitas das cerca de 115 ONGs que atuam na Amazônia Ocidental estão a serviço de outras nações, e, na realidade, são peças do grande jogo em que se empenham os países hegemônicos para manter e ampliar sua dominação. O Greenpeace sai em defesa das organizações que atuam na Amazônia e critica o jornal pela publicação da notícia sem ouvir as Ongs nem investigar os reais interesses por trás dos argumentos da Abin.

Leia na íntegra a carta do Greenpeace direcionada à redação do O Estado de São Paulo:

São Paulo, 09 de maio de 2005.
Ao
Jornal O Estado de S.Paulo
Sandro Vaia
Falta inteligência na Agência
Senhor Editor:
Foi com extrema surpresa que lemos a reportagem publicada pelo O Estado de S. Paulo no último domingo, dia 8 de maio, a respeito de relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre a atuação das ONGs na Amazônia, mencionando, entre outras entidades, o Greenpeace. Em primeiro lugar, porque o jornal não cumpriu sua missão básica, que é a de ouvir todos os lados da questão. Publicou acusação às organizações sem lhes dar o direito de se manifestar.

Além disso, divulgou dados de um relatório que teria sido escrito por um coronel da Abin sem uma apuração responsável. O jornal poderia ter prestado um serviço aos seus leitores se verificasse a semelhança entre os argumentos do relatório da Abin e os do livro A Máfia Verde, escrito pelo mexicano Lorenzo Carrasco e publicado por um certo Movimento de Solidariedade Ibero-Americana (MSIA), também responsável por um documento contra o Greenpeace que há muito circula na Internet. Criado nos Estados Unidos por um cidadão de extrema direita, Lyndon LaRouche, o MSIA tem representações no Brasil, México, Peru, Colômbia, Venezuela e República Dominicana.

A matéria do O Estado de S. Paulo diz que a Abin chama os movimentos ambientalistas de Clube da Ilhas e utiliza a expressão tropa de choque para definir algumas dessas entidades, que seriam peças de um grande jogo de dominação global a cargo dos países hegemônicos. As expressões e a lógica não são da Abin - são do MSIA, responsável pelo livro de Carrasco e pelo documento Greenpeace, tropa de choque do governo mundial, de fevereiro de 2000.

O documento é uma peça delirante que pretende convencer os leitores de que existe uma conspiração mundial liderada por um certo Clube das Ilhas para acabar com a democracia e instaurar uma monarquia global dirigida pelas coroas da Inglaterra e Holanda. Fariam parte desse movimento, entre outros, órgãos da ONU nos quais o Brasil tem assento como a Unesco, as fundações Ford, Rockefeller e Jacques Cousteau, o Clube de Roma, multinacionais do petróleo como a Shell e até entidades de direitos humanos como a Anistia Internacional. O movimento ambientalista e os defensores dos povos indígenas nada mais seriam que peças dessa conspiração inacreditável.

O Estado de S. Paulo prestaria um serviço a seus leitores se investigasse os interesses presentes nesse tipo de acusação; as ligações, se houver, do MSIA com a Abin; e porque um de seus agentes adotou as informações do MSIA sem questioná-las. Nos parece inacreditável que o serviço de inteligência criado para embasar decisões da Presidência da República e financiado pelos contribuintes adote argumentos conspiratórios alheios sem qualquer investigação aprofundada. Se isso aconteceu, faltou inteligência na Agência.

Políticas públicas
Nos próximos dias, o governo federal deverá divulgar os mais recentes dados referentes ao desmatamento na Amazônia. Acreditamos que, na ocasião, esse prestigiado periódico deverá dar a devida atenção à questão, crucial para o país. Com a perda da cobertura vegetal da floresta amazônica, o país desperdiça valiosos recursos em biodiversidade, além de propagar um modelo de políticas públicas e desenvolvimento que perpetua a miséria e os problemas sociais.

Com relação à questão do desmatamento propriamente dito, destaca-se o seguinte trecho da reportagem: — De acordo com o documento, as ONGs contribuíram para a criação de extensas terras indígenas, áreas de proteção ambiental e corredores ecológicos que, atualmente, sem dúvida alguma, dificultam e inibem a presença do Estado e (aplicação) dos programas de políticas públicas para a região.

Ora, consideramos que a criação de áreas protegidas é, sim, uma política pública para a Amazônia. Trata-se de uma forma comprovadamente eficiente de se enfrentar o problema do desmatamento, mencionado acima, o qual parece ser uma preocupação de O Estado de S. Paulo. É uma das poucas faces do Estado na Amazônia, onde ele se encontra frequentemente ausente. Como este jornal tem noticiado sempre, a Amazônia é região onde impera a violência, a grilagem de terras e o abandono, todos decorrentes dessa ausência das autoridades e instituições públicas. O Greenpeace tem, com frequência, dirigido-se ao Governo Federal pedindo que instituições como o Ibama, o Incra e a Polícia Federal estejam mais presentes na região, para que se faça cumprir o Estado de Direito, evitando crimes hediondos como o assassinato da missionária Dorothy Stang, ocorrido no dia 11 de fevereiro. É fundamental uma maior presença do Estado na Amazônia.

Consideramos a criação de áreas protegidas uma política pública visando poupar recursos valiosos para o futuro do Brasil. As áreas de uso sustentável, por sua vez, podem aliar a conservação com a melhoria das condições de vida dos habitantes da floresta, ao conferir às populações locais uma garantia contra a sua expulsão por grileiros, madeireiros e fazendeiros, com a adoção de um modelo alternativo de desenvolvimento. A proteção das florestas favorece o país nas negociações internacionais, onde figura como expressivo emissor de gases do efeito estufa, apenas devido às queimadas.

Por último, gostaríamos de salientar que o Greenpeace está aberto a qualquer questionamento das autoridades nacionais, inclusive da Abin, e da sociedade brasileira. E que, em qualquer momento, estamos dispostos a receber autoridades da agência, bem como deste jornal, para conhecerem nossas atividades em defesa do meio ambiente e da Amazônia.

Atenciosamente,
Frank Gugenheim
Diretor Executivo
Greenpeace Brasil

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