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2005-05-10
Por Guilherme Kolliing

Pioneiros e fundadores da Coolméia foram se afastando com o tempo. Ou foram afastados. É o caso de Zuleica Degani e Justo Werlang. Deixaram Porto Alegre no início da década de 80 para morar no exterior. Quando voltaram, depois de uma década, não eram mais considerados sócios, pois deviam uma taxa de manutenção.

“Pedi que reconsiderassem meu caso, cheguei a enviar três cartas em diferentes ocasiões, mas não obtive resposta”, diz Zuleica, que mora em Garopaba (SC). Justo Werlang ficou decepcionado com a mudança de patamar para ser sócio da cooperativa.

“Quando iniciamos, cada um entrava com um quota equivalente a um salário mínimo para se associar. Era um sacrifício. Depois, tornaram essa taxa simbólica”, compara Justo. Ele acredita que esta medida foi uma das causas da desestruturação da Coolméia.

“Outro problema foi que, num determinado momento, os funcionários passaram a ter direito a voto, e começaram a ter nas mãos a gestão do negócio. Se o sujeito tem boas intenções, tudo bem, mas quando entra o interesse pessoal, a coisa começa a complicar. O gerente transforma a cooperativa numa S.A., os sócios deixam de ser importantes”, avalia.

Zuleica Degani tem uma visão parecida. “O grupo fundador estava capacitado e via a cooperativa como uma oportunidade de servir a um ideal. Os problemas financeiros surgiram de forma gradativa na direta proporção da pouca capacitação em cooperativismo das pessoas que se envolveram no processo”, acredita. “Faltou a presença mais forte do sócio-consumidor”, completa a pioneira.

Faltou fôlego para educar os novos
A agrônoma Glaci Campos Alves dedicou 21 anos à Coolméia, até ser afastada na nova gestão, que assumiu em 2003. Foi uma das idealizadoras das feiras, participou do conselho educativo e atuou na área de eco-tecnologia.

Ingressou na cooperativa em 1982, quando retornava de um período na França. Os pais não entenderam quando ela, depois de freqüentar cursos de especialização na Europa, “decidiu se enfurnar numa garagenzinha na rua Barros Cassal”.

Era a sede da Coolméia, onde se vendia mel, grãos, arroz, pão – tudo integral. “Os próprios associados traziam os produtos do interior, emprestavam o carro para ir buscar os alimentos. Naquele início era assim: gente com nível superior, solidária e que acreditava na idéia”, lembra.

“Sob o ponto de vista empresarial, a Coolméia não tem 27 anos. Antes de ser um negócio, era uma instituição de luta, com a missão de trazer informação e garantir a oferta de alimentos sem veneno”, avalia a engenheira.

A venda de verduras, frutas e legumes sem agrotóxicos começou devagarinho com um único agricultor. Aos poucos, outros homens do campo foram se agregando. A discussão sobre essa alternativa de produção cresceu na década de 80 – foi quando se criou a lei dos agrotóxicos.

O movimento ambientalista se aproximou e uma boa turma de agrônomos, influenciados por José Lutzenberger, passou a ter uma visão crítica sobre a agroquímica. Houve ainda a adesão de parte do movimento Pastoral da Terra e o surgimento do MST.

“Foram anos muito ricos em atividades de rua”, conta Glaci. O movimento culminou com a criação da feira ecológica da José Bonifácio em 1989. O objetivo era mostrar que a agricultura ecológica era possível. Nesse sentido, a Coolméia foi pioneira no Brasil e serviu de exemplo.

Mas a instituição não se estruturou para acompanhar o crescimento da demanda, que veio com a exposição na mídia, com as feiras e com o boca-a-boca do público. O marco dessa mudança se deu em 1992, quando a cooperativa se instalou na José Bonifácio. O empreendimento perdia o ar de negócio familiar.

“Até ali tudo ia muito bem, trabalhávamos com pessoas do mundo alternativo, estudantes, que até recebiam uma remuneração, mas iam lá pela alimentação, pelas atividades e por acreditar no ideal proposto”, aponta Glaci.

Quando o negócio explodiu, quem estava há mais tempo se desdobrava em atender a mídia, convites para seminários, palestras, reuniões, organização de feiras, enfim, em propagandear a Coolméia e mostrar o trabalho para o mundo. A sede ficou a cargo de novos trabalhadores – os chamados sócios-operacionais – que assumiram o restaurante e a loja. O grupo não tinha a bagagem e a formação dos fundadores e pioneiros. Logo, o engajamento e o idealismo não eram os mesmos.

“Não tínhamos uma equipe de profissionais competentes para seguir a missão da cooperativa e ao mesmo tempo tocar o negócio. Faltou logística para dar essa educação permanente aos novos colaboradores”, admite Glaci. Com isso, a cooperativa se enfraqueceu, “perdeu a alma”, como diz a agrônoma. “Como um sujeito vai vender bem se não compra nem almoça na Coolméia, não gosta daquela comida?”, questiona.

A falta de comprometimento com o projeto trouxe alta rotatividade na loja, mau atendimento, perda de clientes; desperdício de comida e mantimentos; perda de patrimônio, pequenos e grandes roubos; até ações trabalhistas.

A maioria das ações foi vencida pela instituição, mas houve causas perdidas. “Foram poucas, mas isso pesou porque nossa margem de lucro era apertada”, diz ela. Outras dificuldades foram os impostos – cada vez mais altos e mais numerosos – e a descontinuidade na gestão.
Cada administração durava três anos. “Faltou experiência, profissionalismo e competência para todos. E eu me incluo nisso”, diz ela.

Mais do que a questão financeira, o que entristece Glaci Campos Alves é a mudança ideológica. “Houve um distanciamento dos movimentos sociais, a feira virou um negócio, fica cada um na sua”.

O engenheiro agrônomo e florestal Sebastião Pinheiro, 59, esteve presente na cooperativa em quase todos os 27 anos de existência. Hoje trabalha no Núcleo de Economia Solidária da UFRGS.

Ele acredita que a entidade mudou seu público: “A Coolméia é um espaço de referência mundial que, antes, recebia um cidadão consciente, diferenciado, com informação. Agora, predomina um consumidor atrás apenas de novidade”, observa.

Outra mudança foi a aceitação da lógica que o alimento natural tem que ser mais caro. “Tínhamos o princípio do preço igual, tanto que nos anos 80 e 90 a feira cobrava o mesmo valor. Pessoas mais humildes, de outras regiões da cidade, se deslocavam para comprar na Coolméia. Agora chegam a oferecer um tomate quatro vezes mais caro. Isso é uma violência num local que é para o público, não para a elite”.

Para Pinheiro, faltaram zangões para brigar e proteger a Coolméia. “Havia o predomínio de pessoas pacifistas, contemplativas, que viam o que estava acontecendo mas não entravam em choque”. A transformação incluiu o ingresso de interesses pessoais e partidários.

“Uma ordem político-partidária que se estabeleceu na cidade há 16 anos queria ocupar todos os espaços. E fez com que entidades se nucleassem na cooperativa não para fortalecê-la, mas para dar um golpe de Estado”.

Também a questão dos sócios-operacionais é apontada pelo agrônomo. “O sujeito se empregava na Coolméia para fazer xerox e entrava achando que aquilo era uma S.A., que é um grande negócio e acaba liquidando com o projeto”.

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