Crise desafia Cooperativa Ecológica pioneira no país
2005-05-10
Por Guilherme Kolling
A Cooperativa Ecológica Coolméia, fundada em 1978 e considerada uma referência mundial em produção e distribuição de alimentos orgânicos, vai se mudar da sua tradicional sede na av. José Bonifácio, defronte ao parque da Redenção, em Porto Alegre. Um novo espaço, na avenida Osvaldo Aranha, já está alugado. Por trás da mudança, para um imóvel mais barato, está a mais grave crise dos 27 anos da instituição, que tem 2057 sócios, dos quais mais de 400 são produtores.
Na Igreja Santa Teresinha, que aluga o ponto atual, a informação é de que o aluguel está atrasado há doze meses e que o Dmae cortou a água por falta de pagamento. A direção da cooperativa tem outra versão. Diz que estava bancando água para toda a Igreja e, ao descobrir o fato, suspendeu o pagamento de aluguel e de água. Admite que deve sete meses, mas garante que a mudança para a Osvaldo Aranha se dá por outros motivos: busca de um espaço mais amplo, higiênico e barato – o aluguel custa mais de R$ 4 mil na José Bonifácio, segundo o presidente da Coolméia, João Carlos Mendonça.
Se são sete ou doze meses, o fato é que a cooperativa sofre com problemas econômicos há anos. Hoje, a falta de recursos dificulta, por exemplo, a conclusão das obras na nova sede. As razões da crise são históricas e diversas: má gestão, perda de identidade, impostos, dívidas trabalhistas, falta de capacitação em cooperativismo.
Fundadores e pioneiros da cooperativa, que foram se afastando ou que foram afastados, apresentam diagnóstico e soluções. Todos falam no distanciamento do sócio-consumidor na gestão do negócio, que ficou sob controle dos sócios-operacionais, espécie de funcionários, sem a mesma formação e idealismo dos precursores.
Consumidores urbanos começaram cooperativa
A Coolméia foi fundada em 23 de janeiro de 1978, mas a movimentação dos militantes começou três anos antes. Tudo teve início a partir da necessidade de consumidores urbanos.
“O que levou nós, vegetarianos, a iniciar uma ação cooperada foi a busca de qualidade de vida, pois estávamos consumindo mais DDT do que as pessoas que comem carne. Precisávamos de um mercado que viabilizasse a produção orgânica”, explica Justo Werlang, 49, um dos pioneiros.
A idéia nasceu com a jovem Zuleica Degani. Ela conheceu restaurantes de cooperativas do exterior, como uma de Bogotá, na Colômbia. Na volta, fez campanha de compras de vegetais para formar o grupo inicial. “O atrativo era o preço, mais barato que no supermercado, pois eu comprava direto na Ceasa”, relata. Mas ainda eram alimentos convencionais, isto é, com agrotóxicos.
“Fui trabalhando na elaboração do Estatuto e logo que conseguimos a adesão das 20 pessoas, fiz o registro da cooperativa, conforme aprendi no curso de especialização em Cooperativismo da Unisinos”, relata Zuleica.
O grupo reuniu membros da entidade esotérica Grande Fraternidade Universal, praticantes do naturismo e gente simpática à causa ecológica. Depois, buscou-se a adesão de sócios produtores, motivando-os a produzir alimentos orgânicos, o que deu impulso ao comércio desses produtos no Estado.
Isolan: “Atirei a toalha”
O agrônomo Floriano Isolan, 64, trabalhou 13 anos como feirante na Coolméia, além de participar dos conselhos. No final dos anos 90, ante uma forte crise, ele e um grupo de produtores assumiram a gestão. “Como o agricultor tem um perfil mais empresarial, achamos que conseguiríamos uma solução”, apostou. Além de altos custos de operação, encontraram um quadro em que não se tinha nem controle de custos. “Conseguimos equilibrar, apertamos os servidores, cobramos um pouco mais caro do consumidor, mas não se resolveu o problema das dívidas”, admite.
Segundo ele, o rombo foi aumentando com a cobrança de impostos e dívidas trabalhistas. “Como se trata de uma cooperativa autogestionada, que não visa lucro, achávamos que não tínhamos que pagar impostos. Quando os tributos passaram a ser cobrados, já devíamos um monte”.
Outra causa apontada por Isolan é o financiamento das áreas política e social da Coolméia. “Foi um custo alto. A cooperativa fez trabalhos políticos para difundir o projeto no interior do Estado, prestigiou publicações, feiras e eventos, muitas vezes com prejuízo”, aponta.
O agrônomo reconhece que a causa é nobre e que os associados têm boa vontade. Mas é cético quanto ao negócio.
“Fui voto vencido, não acredito em cooperativa autogestionada. Até porque se há 50 pessoas trabalhando, dez são profissionais cooperativados e outros 40 só querem um emprego. A Coolméia nunca se profissionalizou. Atirei a toalha”, confessa ele, que se licenciou do conselho há um ano e meio.