O concheiro, este desconhecido
2005-05-06
Por Renan Antunes de Oliveira
Do Oiapoque ao Chuí tem muita coisa bonita. Uma delas além de linda é original e rara - o concheiro do Chuí. É bom visitá-lo antes que ele se desfigure para maior e melhor: longe de estar ameaçado, cresce com cada onda do mar.
O concheiro é uma formação única no Brasil, fenômeno natural com apenas uma pequena ajuda do homem. Trata-se de uma impressionante estrada de conchas, daí o nome, cuja largura varia de 50 a 100 metros. Ela se estende por até 50 quilômetros, entre as praias do Cassino e do Hermenegildo, no extremo Sul do Brasil.
O pessoal do lugar pronuncia “conchero”, à espanhola, engolindo o “i” por influência dos vizinhos uruguaios. No dicionário a palavra significa sambaqui, mas lá pelas bandas orientales ninguém usa a versão tupiniquim.
Pouca gente conhece o concheiro porque a maior parte do ano ele passa debaixo da areia. Nunca foi apresentado no Fantástico. No Google só aparecem concheiros à portuguesa, onde a palavra é usada em arqueologia. De brasileiro, apenas o relato deslumbrado de um estudante explorador.
O concheiro tem seu momento de esplendor depois de uma tempestade, quando o mar recua levando a areia. Aí, milhões de conchas aparecem, limpinhas. Se for dia de sol, elas se refletem nele, ofuscando a vista.
Quanto ao lado “estrada”, é um caminho para poucos. Apenas aventureiros tipo Discovery Channel e pescadores freqüentam o lugar. O mar pode avançar de repente e engolir tudo, à tsunami. No ano passado um empresário paulista tentou cruzar com sua camionete 4 x 4, deixou a bichinha enterrada na areia.
O pessoal mais consciente está tentando impedir que carros trafeguem lá nessas horas, porque só se ouve aquele crac-crac das conchas quebrando.
O concheiro se forma quando as correntes naturais, em redemoinho, arrastam o lixo do fundo do mar e atiram tudo pra praia. As conchas são os restos dos alimentos de peixes maiores, e também as carcaças dos bichos que morreram de morte morrida.
A formação era pequena nos anos 80. Aparecia 20 km ao norte do Chuí, andava algumas centenas de metros e se interrompia. Ia assim, pingada, por mais ou menos 30 km, lembram os mais velhos.
O fenômeno cresceu para os 50km contínuos de hoje depois de uma intervenção do homem. Explica José Ricardo Valle, do Conselho de Meio Ambiente de Santa Vitória do Palmar: “A retificação da foz do arroio Chuí mudou a natureza”.
A mudança se deu depois da retificação, feita por decisão diplomática para ajustar a fronteira entre Brasil e Uruguai. Os molhes do arroio avançaram pelo mar, deslocando o eixo dos redemoinhos – é a tese de Zé Ricardo, apoiado em fotos de satélite.
O concheiro em si não cheira nem fede. Não há nada dele que possa ser explorado comercialmente, exceto sua beleza. Técnicos do Sebrae planejaram turismo ecológico, mas tudo acabou quando o Lula decretou a ampliação da Estação Ecológica do Taim, em junho de 2003, interditando o pedaço.
O decreto caiu no Supremo Tribunal Federal em janeiro, depois de pressões de arrozeiros, fazendeiros de gado e pescadores – gente que ocupa as terras do banhado do Taim e quer mais espaço em direção ao mar.
Agora o turismo está recomeçando. Volta e meia, dezenas de jipeiros roncam suas máquinas em Santa Vitória, prontos para os 200 km até Rio Grande, 50 deles ouvindo o crac-crac. Mas o tempo anda bom e o concheiro prudentemente escondido sob seu manto de areia.