Represa Billings pode diminuir 60% em 50 anos
2005-04-26
Um levantamento feito com centenas de imagens aéreas e de satélite da
represa Billings, na região metropolitana de São Paulo (SP), sugere que ela
pode complicar ainda mais a situação do já combalido sistema de
abastecimento de água da capital da cidade.
Daqui a 50 anos, sugere o estudo da ONG Proam - Instituto Brasileiro de
Proteção Ambiental, 60% da capacidade de armazenamento da represa estaria
comprometida, e em menos de um século ela poderia deixar de existir, se as
tendências atuais forem mantidas.
Hoje, a área metropolitana já importa cerca de 60% da sua água da bacia do
rio Piracicaba, mas a Billings ainda fornece água para cerca de 4,5 milhões
de pessoas em São Paulo e na região do ABC. Segundo Carlos Bocuhy,
presidente do Proam, o risco maior recai sobre os diversos braços da
represa, que são os que mais têm sofrido o avanço do assoreamento nas
últimas décadas. — Ironicamente, pode ser que daqui a 50 anos o leito da
Billings se reduza ao que era o antigo leito do rio Jurubatuba, que existia
ali antes de a represa ser formada.
Para traçar a estimativa, o Proam usou cerca de 300 imagens aéreas, que vão
dos anos 1950 até hoje, bem como dados de satélite. Segundo Bocuhy, a
projeção foi feita principalmente com base no que aconteceu nos últimos 30
anos, período no qual a ocupação ilegal das áreas próximas ao reservatório
se intensificou. Por lei, como área de mananciais, elas deveriam ser
protegidas.
A Folha de São Paulo sobrevoou de helicóptero a Billings e as regiões
adjacentes, que revelam um quadro impressionante de ocupação desordenada. Um
dos problemas apontados pelo Proam é a verticalização: embora muitas das
moradias da área sejam precárias, é comum encontrar construções de vários
andares.
— Isso sugere que os dados do impacto populacional sobre a represa estão
subestimados, porque não se leva em conta a verticalização, que significa
automaticamente uma densidade maior de habitantes, avalia o presidente da
ONG.
Outro problema que o assoreamento e a poluição da represa exacerbam é o
chamado bloom (florescimento, em inglês) de algas microscópicas. Esses
organismos se reproduzem num ritmo muito maior com a presença de grandes
quantidades de matéria orgânica na água (a chamada eutrofização). Ao mesmo
tempo, liberam substâncias que inviabilizam o consumo humano, o que exige
uma intensificação do tratamento da água - e gastos públicos redobrados com
o problema.
— Não é uma estimativa errada, se você levar em conta o que aconteceu com
porções inteiras da represa de Guarapiranga, por exemplo, avalia o
especialista em recursos hídricos José Galizia Tundisi, do Instituto
Internacional de Ecologia (São Carlos, região central do Estado), ao
referir-se à projeção do Proam. — O problema é o seguinte: a Billings poderia
se tornar o grande reservatório de água da região metropolitana. Esse
potencial está se tornando limitado, mas é estratégico - ou pelo menos
deveria ser tratado como estratégico, afirma Tundisi.
Há dois mecanismos principais que induzem à perda da capacidade da Billings.
O mais óbvio é o carregamento de sedimentos para o leito da represa,
tornando-a mais rasa. O processo é intensificado pelo desmatamento das áreas
vizinhas, as quais, sem árvores que segurem o solo, ficam mais vulneráveis
à erosão.
O segundo fator a diminuir a água disponível na represa é a perda de
nascentes. Toda a região onde se encontra a Billings é de várzeas, com
lençol freático muito perto do solo e fontes que afloram com freqüência.
— Quando a ocupação revolve o solo, essas nascentes acabam sendo tamponadas e o lençol freático é rebaixado, afirma Bocuhy. É comum encontrar áreas que
estavam submersas há uma ou duas décadas e hoje estão cobertas por chácaras
ou campos de futebol.
Para o Proam, a prioridade é evitar que a ocupação humana fique ainda mais
densa em volta da represa. Bocuhy diz temer que a ampliação do Rodoanel
contribua para os problemas, tanto por causar erosão quanto por facilitar a
ocupação. — Precisamos de medidas mitigadoras e que recuperem os braços,
afirma.
Pesca
Quem olha paras as águas da Billings de hoje provavelmente não
imagina que a represa já chegou a abrigar 520 famílias cadastradas de
pescadores profissionais. Nas épocas melhores (dos anos 1940 aos anos 1960),
eles conseguiam obter dela 25 toneladas de peixes por dia. Essa quantidade
respeitável de lambaris, tilápias e carpas era vendida em São Paulo e até em
Minas Gerais.
A represa foi criada nos anos 1930 para gerar energia na usina Henry Borden,
em Cubatão (o nome homenageia o engenheiro Asa White Kenney Billings, da
empresa canadense Light & Power Tranway). O declive de 700 m da Serra do Mar
permitiu que a Billings gerasse quantidades apreciáveis de energia, mas,
para os paulistanos dos anos 1940 a 1960, a represa provavelmente era
sinônimo de praia: um balneário chamado Mar Paulista, além da pesca,
oferecia esportes náuticos de todo tipo. Hoje, o assoreamento impede que
muitas áreas sejam alcançadas de barco.
Os problemas ambientais da Billings começaram a se anunciar quando os rios
de São Paulo passaram a ser desviados para ela, nos anos 1950 e 1960, de
maneira a aumentar a geração de energia na usina. A poluição que atingia
esses curso dágua passou a contaminar também a represa. A necessidade de
controlar enchentes também fez com que águas poluídas fossem parar na
Billings. Indústrias de Cubatão usavam a água para resfriar seus
equipamentos. Em 1993, o bombeamento cessou. (Folha
Online, 25/04)