São Francisco: O rio da discórdia
2005-04-26
O projeto do governo para transposição das águas de parte dos 2,8 mil quilômetros do rio São Francisco, previsto para começar daqui a três meses, ainda não foi assimilado por muitos representantes da sociedade civil e especialistas em questões ambientais. A proposta é antiga. Caso a transposição saia do papel, levará água para o Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba, chegando à parte do Semi-árido e beneficiando uma população estimada em 12 milhões de pessoas. A idéia é captar 1% da água do rio despejada no mar. Estados como Minas Gerais e Bahia são contrários à mudança. Defendem que há trechos já afetados pelo baixo nível da água e que o projeto agravaria a situação e ampliaria o número de vítimas do desabastecimento. Ao ser questionado sobre a transposição, o governo, por intermédio do Ministério da Integração Nacional, afirma que o problema é partidário. Pedro Brito, economista, chefe de gabinete do ministério e coordenador do projeto, costuma dizer que a mudança provocará a revitalização em vez da devastação ambiental da bacia do São Francisco.
Os críticos mais inflexíveis garantem: a água retirada do percurso original não beneficiará as comunidades carentes, mas sim a empresários que poderão ampliar os investimentos e auferir lucros maiores. Até o Banco Mundial (Bird) já opinou. Em 2003, o organismo internacional divulgou um estudo no qual sugeria ao governo brasileiro o adiamento da transposição e o investimento em sistemas de abastecimento locais, como a construção de cisternas e de mais adutoras. Nos projetos de irrigação da região do Vale do São Francisco, onde a caatinga é a vegetação predominante, as adutoras transformam o solo árido em campo verde. Assim como o projeto de cisternas da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA), há outras formas de diminuir a carência de água, como a construção de açudes e minibarragens. Para os opositores, o governo dedica-se com a prioridade errada, pois fala da transposição em vez de levar saneamento básico às regiões pobres do País. A água é importante e a falta dela pode levar à morte. Mas o consumo do líquido contaminado ou o despejo de esgoto no Velho Chico e em tantos outros rios também preocupam, lembram os críticos. Segundo dados do IBGE, apenas 42% da população brasileira têm o esgoto doméstico e desse total 84,6% dos dejetos não são tratados e acabam despejados nos rios. A escassez de água afeta a 47,3% do Nordeste. (Carta Capital, 27/04)