Rio Grande do Sul na era de Kyoto
2005-04-22
Por Carlos Matsubara
Os gaúchos estão ávidos para faturar os tais créditos de carbono. Desde a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto em fevereiro, idéias envolvendo projetos baseados nos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), não param de surgir. E a curiosidade acerca do tema é grande a ponto de atiçar também a classe política. Na quarta-feira, (20/4) a Comissão de Economia da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul chamou dois advogados especialistas para tratar do tema. Queriam saber como o Estado pode ganhar com esse novo mercado. Bibiana Silva e Henry Lummertz, da Veirano Advogados - uma espécie de holding do Direito (tem escritórios por todo o país e trata de todas as áreas) - explicaram aos presentes onde, quando e como os gaúchos podem entrar nessa.
Junto com China, Índia e Indonésia, o Brasil é um dos principais paises com condições de vender créditos para países do chamado Anexo I (Europa e Japão), que necessitam tê-los para cumprir as metas de redução na emissão de gás carbônico na atmosfera conforme reza o acordo. Em princípio, uma instituição estrangeira poderia pagar para uma empresa gaúcha plantar árvores, o que retira carbono da atmosfera, por exemplo. Assim, teria direito a um limite maior de poluição em seu país. Há duas formas de fazer, uma reduzindo a emissão dos gases e outra fixando (seqüestrando) o carbono na terra. A realidade, no entanto, se mostra mais complicada. Entrar nesse negócio não é tão fácil assim.
Reflorestamento
Entre as prerrogativas é necessário comprovar uma vantagem ambiental que não existiria caso o projeto não fosse aplicado, o que, em tese, elimina os projetos de reflorestamento tanto de mata nativa como de produção florestal. — Kyoto não contempla projetos de reflorestamento porque enxerga neles uma possibilidade de chantagem, explica o holandês Tjitte van der Werf, chefe representante da Delegação Comercial Holandesa no Estado, cuja sede fica na Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS).
Tjitte, também presente a reunião da comissão, explica o que quis dizer com chantagem:
— Um sujeito ou empresa pode ter uma extensão grande de terras e pedir em troca de não desmatar, entrar no negócio de créditos de carbono. Os advogados concordam: — Ainda não existe uma formatação ideal, um modelo para os projetos de reflorestamento, afirmam. A expectativa no Rio Grande do Sul é grande muito em virtude dos mega – projetos de reflorestamento, principalmente na Metade Sul, onde produtores estão trocando atividades tradicionais como a pecuária pelo plantio de eucalipto. — Infelizmente não é o que o Protocolo de Kyoto quer, rebate Lummertz ao lembrar que a prioridade do Tratado é a redução de emissões.
O presidente da Associação Brasileira de Florestas Plantadas (Abraf), Carlos Aguiar, discorda: — Esse mercado ainda está muito desregulamentado, teórico e com o preço lá embaixo, diz. De acordo com ele, os países poluidores do Primeiro Mundo querem ganhar esses créditos para aliviar o peso de consciência que têm, mas a preço de banana por parte de países como o nosso. Aguiar, que também preside a Aracruz, diz que ainda é cedo para entrar de cabeça no negócio e dá de ombros: — Não queremos, nem vamos entregar o ouro. O Brasil tem de ir passo a passo, aprendendo a negociar e a valorizar a riqueza em seqüestro de carbono que temos com as suas florestas, nativas ou plantadas, conclui.
A pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Telma Krug, autora do último capítulo do livro de regras do Tratado de Kyoto, concorda com a desregulamentação para o setor florestal, mas joga água fria nos planos das grandes empresas ao afirmar que os projetos florestais devem ser desenvolvidos por comunidades ou indivíduos de baixa renda (menos de oito mil toneladas CO2 seqüestrado/ano). — O objetivo é que as comunidades mais pobres, de cada país, se beneficiem com os créditos que serão destinados à diminuição de dióxido de carbono (CO2) do ambiente, argumenta. Essa imposição de teto máximo para projetos de reflorestamento restringiu as possibilidades, inclusive de projetos que visem reflorestar áreas degradadas na Mata Atlântica ou Amazônia, por exemplo.
A Agropecuária
Um setor favorável ao Rio Grande do Sul é a agropecuária. Nela, as possibilidades se ampliam consideravelmente por meio de reutilização de resíduos (a casca de arroz é bom exemplo) e o aproveitamento do gás metano das bacias de contenção (suinocultura) para geração energética. Estudo do Centro de Energia Nuclear da Agricultura (Cena), indica que o sistema de plantio direto (sem o preparo do solo), reduz a emissão de gás carbônico (CO2) em 0,5 tonelada por hectare plantado por ano. Neste tipo de plantio, os resíduos (palha) ficam na superfície, mantendo a umidade do solo e evitando a evaporação. Ao se decompor pela ação dos microorganismos, a palha produz ácidos orgânicos que são levados pela chuva e se fixam no solo, formando novo húmus e aumentando o estoque de carbono no solo. — Essa prática remove CO2 da atmosfera e transfere ao solo. É o que se denomina seqüestro de carbono pelo solo, explica o engenheiro-agrônomo Carlos Cerri. Outro exemplo é a colheita de cana-de-açúcar sem a queima da palha. Isso pode gerar uma economia de 1,6 tonelada de carbono emitida por ha/ano.
Biodiesel
As chances mais concretas envolvem geração de energia a partir de biomassa vegetal ou de biodiesel. O Rio Grande do Sul corre atrás de projetos. No início de abril, o Governo do Estado aderiu ao convênio que zera alíquota de ICMS nas operações internas com oleaginosas (mamona, canola e girassol) usadas na sua produção. Passo Fundo espera abrigar a primeira usina deste tipo no Estado. A garantia foi dada pelo secretário estadual de Ciência e Tecnologia, Kalil Sehbe no mesmo período. As distribuidoras, inclusive, já estão autorizadas a adicionar até 2% de biodiesel no diesel comum e a partir de 2008 a adição será obrigatória. A usina de Passo Fundo já teria até mesmo investidor, cujo nome é mantido em sigilo. O objetivo é abastecer o mercado dos três estados do sul.
Até a Petrobras já anunciou seus planos para o Estado. Está estudando instalar plantas industriais em diferentes estados e o Rio Grande seria um deles.
Biogás
O biogás é uma mistura composta principalmente de gás carbônico (30%) e metano (65%). Obtida a partir de matéria orgânica, como estercos de animais, lodo de esgoto, lixo doméstico, resíduos agrícolas, efluentes industriais e plantas aquáticas, é outra grande chance para os gaúchos produzirem energia limpa. Essa operação é prevista pelo MDL do Protocolo de Kyoto. Como no Brasil todo e também no Rio Grande do Sul a questão do lixo ainda não tem seus problemas resolvidos (coleta, distribuição, tratamento etc), é uma oportunidade que se abre.
O Ministério das Cidades abriu concorrência para os municípios que desejam aproveitar seus aterros e lixões para gerar biogás, participarem de um programa de consultoria. Numa primeira etapa (9 a 19 de maio) as 200 maiores cidades poderão protocolar a documentação exigida. Posteriormente, serão definidas 30 eleitas para que o Ministério realize os estudos necessários. Terão prioridade os municípios que ainda usam lixões ou aterros pouco adequados do ponto de vista ambiental e social. Os estudos serão financiados pelo governo japonês, que deverá doar US$ 979 mil (US$ 600 mil, em 2005, e US$ 379 mil, em 2006).
Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que, num cenário otimista, os municípios com mais de um milhão de habitantes poderiam gerar até 2015, 440 MW de energia, o suficiente para abastecer uma cidade de quase um milhão de habitantes. O mercado de créditos de carbono é estimado em até US$ 10 bilhões nos próximos anos. Aliás, o primeiro projeto no mundo registrado pelo Conselho Executivo do Protocolo de Kyoto, quem avalia os projetos, é brasileiro. Um aterro sanitário em Nova Iguaçu (RJ).