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2005-04-20
Descoberto há um século, continua matando silenciosamente, e sempre escolhendo vítimas entre os pobres. O barbeiro, também conhecido científicamente como um triatomíneo é um minúsculo inseto de três centímetros de comprimento, que circula de noite e se alimenta de sangue de animais ou humano. Sua existência e da doença que transmite, o mal de Chagas, foi descoberta há quase um século (1909) pelo médico que lhe deu o nome, Carlos Chagas, ante a desconfiança da comunidade internacional. A incredulidade inicial com a descoberta do médico brasileiro e os posteriores avanços de Salvador Mazza (médico argentino que acabou completando a definição da doença, sua forma de contágio e seu possível caráter endêmico) agora se transformaram em indiferença.

Atualmente, segundo a ong Médicos Sem Fronteiras, a doença mata 43 mil pessoas por ano na América Latina, e tornou-se endêmica em importantes zonas do continente. Além disso, 18 milhões de pessoas são portadoras do vírus. Conhecida como a irmã menor da malária, o mal de Chagas é uma doença parasitária transmitida aos seres humanos pelas fezes do barbeiro (Trypanosoma Cruzi) ao picar a pele. Essa forma de contágio é responsável por 80% das infecções. O restante se transmite pelo leite de uma mãe infectada. A transmissão de pessoa para pessoa não existe, o que facilita a luta pela eliminação.

Quando se desenvolve, a doença ataca os órgãos vitais do corpo (coração, intestinos e sistema nervoso) e provoca, entre os que sofrem de forma aguda ou crônica, lesões que levam à invalidez e uma lenta deterioração que conduz à morte. A quinta parte dos infectados morre prematuramente por alguma doença (geralmente cardíaca) associada ao mal de Chagas.

Entretanto, quase um século depois de ter sido descoberta, a maioria dos casos ainda não é diagnosticada. Isso supõe um problema adicional já que os dois medicamentos que existem (o nifutimox e o benznidozol) são eficazes principalmente nos primeiros anos da doença. E além disso, esses medicamentos, criados na década de sessenta e com fortes efeitos colaterais, se tornaram obsoletos.

Dada a falta de prevenção e a falta de vontade dos governos de acabar com essa doença, o mal de Chagas se espalhou desde os Estados Unidos até a Terra do Fogo. Entretanto, sua propagação é desigual e somente em determinadas regiões de alguns países a enfermidade alcançou grau endêmico. Por endemia entendemos uma doença que afeta um número considerável de pessoas, durante um período de tempo constante ou permanente e em uma determinada região. Daí que se fala da doença endêmica em um país ou em determinadas regiões do país. É isto que ocorre, segundo a Organização Pan-americana de Saúde, (OPS) em regiões de El Salvador, México, Guatemala, Honduras, Costa Rica, Panamá, Venezuela, Colômbia, Peru, Equador e Paraguai.

Mas a doença está especialmente presente no Cone Sul. Segundo a Iniciativa do Cone Sul para controlar e eliminar a enfermidade de Chagas (INCOSUR-Chagas), 50 milhões de habitantes dessa região estão expostos à enfermidade e seis milhões estão infectados. Destacam-se Argentina (2 milhões de portadores), Brasil(1,9 milhões) e Bolívia (1,3 milhões). No país andino a situação é especialmente grave: segundo o Ministério da Saúde e Prevenção Social, o mal de Chagas é responsável por 13% das mortes de pessoas entre 15 e 75 anos; 3,5 milhões de pessoas – quase a metade da população boliviana – corre risco de contrair a doença; e 300.000 crianças menores de 12 anos estão infectadas.

Apesar de sua gravidade, das dezenas de milhares de mortos ao ano, do conhecimento que se tem da doença, de como seria simples encontrar remédios pra curá-la, de que o agente transmissor esteja localizado e dos esforços de certas iniciativas regionais e da Organização Mundial de Saúde, até o momento a batalha está sendo perdida.

O barbeiro sobrevive em casa de pau a pique, entre os materiais que se constroem as casas dos mais pobres, desenvolvendo-se em condições de insalubridade. Isto circunscreve a doença e os que acabam padecendo dela somente à classe mais pobre, desfavorecida, isolada e sem voz. E falta interesse para eliminá-la, por mais simples que seja. Transformou-se em uma doença de pobre, doença que já dura um século, e que não interessa diagnosticar porque é mais rentável agir como se não existisse. E, como dizia o escritor uruguaio Eduardo Galeano sobre as doenças, o mal de Chagas — não explode como as bombas, nem soa como tiros. Como a fome, mata calando, Como a fome, mata os silenciados: os que vivem condenados ao silêncio e morrem condenados ao esquecimento. (Agência de Informação Solidária, (15/04/2005)

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