Nuvens negras ainda pairam sobre Chernobyl
2005-04-20
Por Zoltán Dujisin
Passaram-se 20 anos desde o acidente na
central nuclear ucraniana de Chernobyl, o pior da história, mas as feridas
não cicatrizam. O desastre continua presente com sua incessante carga de
mortes e enfermidades. Entretanto, um punhado de antigos moradores de
Chernobyl se mostram decididos a voltar para suas casas e viver o mais
normalmente possível nessas áreas contaminadas.
No dia 26 de abril de 1986, aconteceu uma explosão no quarto reator da Usina Nuclear Chernobyl, no norte da Ucrânia, seguida de um incêndio que liberou grandes quantidades de pó radioativo. As autoridades primeiros cuidaram de controlar o fogo, mas
deixaram de lado os moradores próximos da usina, que durante quatro dias
careceram de toda informação sobre a catástrofe.
Depois que o governo da hoje dissolvida União Soviética – da qual a Ucrânia
fazia parte – admitiu o desastre, foram evacuados 150 mil habitantes das
cidades e povoados próximos. A população de Pripiat, principal cidade da
região, teve a impressão de que logo voltaram para suas casas. Estavam
errados.
Hoje, o entorno urbano que outrora abrigava 47 mil pessoas é um
povoado fantasma, edifícios e ruas vazias invadias pela vegetação que avança
incessante. As casas, bibliotecas, escolas e recintos esportivos e de
recreação nessa cidade erguida nos anos 70, considerada modelo de
urbanização socialista, desde então não recebem mais visitas que não as de
saqueadores, cientistas e turistas aventureiros.
Entrar na escola local faz correr um suor frio pelas costas do visitante:
escritórios desordenados, pianos apodrecidos, livros abertos e máscaras
antigas espalhadas pelo chão. Há quase 20 anos que ninguém toca nada no
local. A maioria dos moradores de Pripiat estava de uma ou outra maneira
envolvida com a usina nuclear. Sua maior infelicidade foi estar apenas a um
quilômetro de distância. Pripiat nunca verá vida humana permanente no
futuro.
Mas, mais distante da central, ainda dentro da área de restrição
estabelecida pelo governo em um raio de 30 quilômetros a partir da antiga
usina, alguns aposentados ocupam suas antigas casas para economizar com
moradia. São ocupações ilegais, mas o Estado vira o rosto. Não são,
certamente, povoados florescentes. A idade média de seus habitantes é de 68
anos. A maioria vive sozinha em difíceis condições materiais, cercados de
casas vazias e gente estranha. Em geral, são indiferentes quanto o risco da
radiação.
–Alguns especialistas consideram que permitir o traslado em massa de pessoas
foi um erro, disse à IPS Evhen Golovakha, subdiretor do Instituto de
Sociologia da Academia de Ciências da Ucrânia. –Aqueles que vivem em seus
lugares de origem se sentem melhor do que aqueles que não, explicou. O
diretor do Centro de Conhecimento Social, Yuri Privalov, concorda que não é
fácil mudar-se desses lugares, devido às complicações da adaptação a uma
comunidade com cultura e até idioma diferentes. Mas, o fator econômico é
determinante, disse Privalov á IPS. –Eles perderam tudo, o governo não pôde
encontrar trabalho para eles e, então, se viram sem condições de cobrir
todos seus gastos, afirmou.
Priapat e seus arredores se assemelham a um cenário pós-apocalíptico, mas, a
antiga usina nuclear está em efervescente atividade. Cientistas, engenheiros
e operários andam pelas instalações usando simples uniformes, ao que parece
indiferentes à ameaça radioativa. Uma de suas preocupações é o possível
fechamento definitivo da central, que ameaça seus salários superiores à
média ucraniana. O governo fechou o último reator em funcionamento em 2000,
obrigado pela intensa pressão internacional. A atividade na usina se limita
hoje a manter o sarcófago de concreto que cobre as ruínas da explosão. A
radiação não é tão intensa hoje, mas a precariedade da estrutura levou o
governo a aprovar a construção de um novo confinamento, mais seguro, em
torno do velho bloco de concreto.
O projeto já começou, mas o custo total é de US$ 1,091 milhão, disse á IPS
Igor Vasilevich, do Ministério de Combustível e Energia. –As doações de
países industrializados estão longe de serem suficientes, acrescentou. A
maioria das gestões do governo se referem ao aumento da segurança nuclear.
Mas, Chernobyl tem, também, uma dimensão social. A Ucrânia teve de suportar
dois traumas devido à catástrofe. Um, o que ocorreu imediatamente após a
explosão, o segundo, quando os meios de comunicação informaram sobre suas
conseqüências. Calcula-se que cerca de seis milhões de pessoas foram
afetadas, de uma maneira ou de outra.
Alguns especialistas garantem que nunca será possível estabelecer um cálculo
nem mesmo próximo da quantidade de mortes causadas pelo desastre. As
estimativas indicam que, como conseqüência imediata da explosão, morreram
entre 40 e alguns milhares de pessoas. Os problemas de saúde persistem. O
mais dramático é o dos chamados meninos de Chernobyl, que crescerem em
áreas contaminadas e hoje sofrem de câncer de tireóide. Muitas mais pessoas
tiveram de lidar com problemas psicológicos. O não-governamental Centro de
Iniciativas Democráticas indicou que, 10 anos depois do desastre, 60% dos
afetados associavam o alimento com o medo, e sofriam de insônia,
irritabilidade e sensação de desamparo, enquanto 30% perderam o interesse
pela vida.
Para essas vítimas, o desastre significou a ruína de sua visão do mundo,
seus estilos de vida e de seus planos, diz o informe. A maioria dos que
conseguiram um novo lar derrotaram, com o tempo, esse sentimento, mas,
outros foram deixados de lado. Yuri Privalov admite que as vítimas
necessitam de mais assistência, mas, também, que não se pode fazer muito. –É
difícil dizer o que se alcançaria, pois não há situações similares para
fazer a comparação. Há muitas demandas ao Estado, muita gente enferma, uma
usina desativada e a contaminação. O país é pobre e os problemas
persistirão, lamentou. (IPS/Envolverde)