Animais em rodeios: O bandido é o mocinho
2005-04-19
Liderados pela organização não-governamental inglesa WSPA (World Society for the Protection of Animals), ativistas de defesa dos animais produziram milhares de e-mails e mobilizaram manifestações em 15 cidades brasileiras contra o que chamam de glamourização do rodeio. O alvo dos protestos é a novela América, da Rede Globo.
Presentes em diversos fóruns de discussão na Internet, os militantes não falam em outra coisa e acham que podem liderar um boicote nacional à novela de Glória Perez. A autora já recebeu mais de 8 mil mensagens de protesto. Alguns insanos não se contentaram em acusá-la de incentivar a prática de rodeios e apelaram para comentários sobre o assassinato de sua filha, Daniela Perez. Ou seja, perderam a compostura, o respeito e a razão. Aliás, nesse protesto, nunca tiveram nenhuma das três virtudes.
Tentam apenas fazer muito barulho por quase nada. Os touros e cavalos de rodeio são mais bem tratados que muita gente neste país. Mais bem tratados que os cavalos de charretes de Queimados e que muitos burros de carga. Eles fazem parte de um ritual cultural que movimenta o interior do Brasil. As festas de rodeio no estado de São Paulo, por exemplo, são tão freqüentadas quanto os jogos de futebol nas grandes capitais. Aliás, assistir às brigas e maus-tratos que ocorrem entre os animais das torcidas de futebol nos grandes estádios é bem mais torturante e degradante do que observar um touro sacudir um homem por 10 ou 20 segundos. Na verdade, quem sofre são os peões e não os touros! Tentar montar bichos daquele porte não é tarefa simples.
O rodeio é mais uma forma que o homem encontrou de testar seus limites. O Touro Bandido, um dos protagonistas da novela de Glória Perez, é um mito. O bicho brilha em arenas de todo o Brasil, desafiando a coragem e bravura de peões brasileiros e estrangeiros. Para garantir excelentes desempenhos dentro da arena, Bandido tem espaço para se locomover, além de uma maratona de exercícios diários. A alimentação do touro é composta por capim, silagem e ração elaborada especialmente para touros, rica em proteína, energia e vitamina. Pergunto: Será que ele sofre mais que milhares de galinhas que morrem degoladas para suprir o mercado alimentício?
Se a questão dos ativistas for baseada em maus-tratos ou tortura, acredito que eles tenham que reavaliar alguns pontos antes de sair berrando pelas ruas. Somos todos atores coadjuvantes de atos de crueldade bem mais assustadores do que as maldades que querem impingir aos personagens e sua criadora. Exemplo: O que é a pesca? Um homem crava um anzol de metal na boca de um peixe, puxa ele para fora da água e espera-o tremelicar até morrer. Depois, ele esquece que foi covarde e coloca o peixe assado sobre a mesa. Mas, como o peixe foi feito para ser comido, o pescador está absolvido. Pior que isso é a prática do pesque e solte. O sujeito pesca o peixe para admirá-lo, fotografá-lo e devolvê-lo à água. De acordo com os praticantes do hábito, o bicho é devolvido ao mar ou rio em perfeitas condições de sobrevivência. Mas poucos sabem que depois de espetado por um anzol, o peixe pode morrer lentamente, por inúmeras razões.
O fato é que nós incentivamos, mesmo que indiretamente, a matança e o confinamento de animais que nos servem de alimento. O gado é confinado e abatido a pauladas. Talvez em frigoríficos mais requintados, com tecnologia de última geração, o processo seja até mais limpinho. No entanto, homens de jaleco e touca branca na cabeça só servem para aliviar o cenário, não a dor dos animais. Na mesa de um restaurante, ninguém pensa nisso. Todos nós saboreamos a carne de diversos animais tendo a certeza de que eles foram criados para virar comida de gente e ponto. Se antes de serem abatidos os touros tivessem direito a um último pedido, sem dúvida alguma, depois de assistir América, ele seria: Eu quero ser da família do Touro Bandido. Quero ser tratado a pão-de-ló e brincar de sacudir gente.(O Eco, 18/04)