Zona Sul de Porto Alegre corre risco de ser destruída
2005-04-14
Por Guilherme Kolling
Marília e Luiz Antônio Azevedo não são especialistas em planejamento urbano, mas têm o mesmo prognóstico que o experiente arquiteto argentino Rubén Pesci, um dos idealizadores do Plano Diretor de Porto Alegre (antes da deturpação), para o efeito da primeira década do novo Plano: — Se continuar assim, em cinco anos vão destruir a Zona Sul.
Casados há 46 anos, eles decidiram se mudar de um apartamento do Bom Fim para a região mais arborizada e menos povoada da cidade, no início da década de 70. — Queríamos sossego e espaço para nossos filhos brincarem. O contato com o verde é importante, justificam. E assim cresceram as quatro crianças. A família se instalou no Jardim Isabel, bairro entre Ipanema e o Morro do Osso. É um loteamento com apenas 24 ruas, 700 casas e 3 mil moradores.
A comunidade é unida, organizada, com direito a entidade representativa: a Associação Comunitária do Jardim Isabel (Ascomjip). O engenheiro agrônomo Luiz Antônio, 69, e a advogada Marília – casal recém mencionado – se tornaram lideranças depois que se aposentaram. — Desde então, me dedico 24 horas por dia à Associação, garante Luiz Antônio, que já foi presidente da Ascomjip duas vezes. Ele se orgulha de ter inaugurado a sede da Associação, em 1996. É sempre solicitado quando há um problema na vizinhança, seja o entupimento de uma boca-de-lobo, seja para acionar a polícia em caso de roubo.
Apesar de todo esse engajamento no bairro, o casal não esteve presente em nenhum debate da discussão do Plano Diretor, na década de 90. Deram-se conta do que foi aprovado só quando sentiram o efeito: 39 novos condomínios em cinco anos. Cerca de 2 mil novos moradores, ou seja, a população quase duplicou. O problema é que os novos imóveis têm uma característica diferente dos originais: ao invés de pátios arborizados, aproveitam todo o terreno com área construída – pudera, onde antes havia uma casa, colocam quatro ou cinco sobradinhos, todos geminados. A perda de área verde já causou pelo menos um efeito: alagamentos nas ruas mais baixas, fato inédito, até então. Luiz Antônio e Marília se mobilizaram. Passaram a representar a comunidade na avaliação do Plano Diretor. Desde 2003, marcam presença nos debates da Prefeitura e da Câmara.
Marília é mais discreta. Mas seu marido faz questão de exibir cartazes imensos, que sempre carrega com ele. São fotos dos novos condomínios e dos alagamentos que eles trouxeram. — Essas imagens mostram a barbaridade que está acontecendo na Zona Sul, costuma dizer, sempre em manifestações fortes. A esposa concorda. — No papel, o Plano Diretor diz que a Cidade Jardim (Ipanema, Tristeza, Assunção e arredores) deve ter baixa densidade, com predominância de casas circundadas por áreas verdes. Mas não é isso que está acontecendo, protesta, enquanto lê o artigo da lei, grifado por ela com caneta hidrocor.