Revolta contra a celulose na América do Sul
2005-04-13
A indústria da celulose se expande na América do Sul
incentivada por investimentos apoiados pelos governos e questionados pelos
ambientalistas, que denunciam os impactos ecológicos e sociais dessa
atividade, uma das mais rentáveis da exploração florestal. No Chile, ainda
não se esclareceu oficialmente a morte maciça de cisnes no final de 2004 no
santuário nacional do rio Cruces, na província de Valdívia, enquanto
aumentam as críticas às autoridades que permitiram reabrir a fábrica de
celulose acusada de provocar o desastre, após ficar apenas um mês fechada.
O Chile exporta dois milhões de toneladas de celulose por ano e contribui
com 2,2% da produção mundial, muito abaixo do líder no setor, os Estados
Unidos, com 30,5% do total, disse à IPS Roberto Ipinza, diretor do Instituto
Florestal, ligado ao Ministério da Agricultura. O Brasil ocupa o sétimo
lugar entre os produtores mundiais, com 3% do produto fornecido ao mercado,
graças às exportações que triplicaram em 10 anos. A indústria brasileira de
celulose e papel faturou US$ 8,5 bilhões em 2004 e é formada por 220
empresas que empregam diretamente cem mil trabalhadores.
A celulose é obtida dos hidratos de carbono que formam a membrana que
envolve as células vegetais. Não dissolve na água, no álcool e no éter e
constitui o insumo fundamental para fabricar papel. As espécies florestais
mais aptas para fornecer celulose, por seu rápido crescimento, são eucalipto
e pinho, e os produtores costumam eliminar florestas autóctones (nativas) para plantar
essas árvores. No Uruguai se articulou um vasto movimento de rejeição à
instalação de duas fábricas de celulose no departamento de Rio Negro, no rio
Uruguai e fronteira com Argentina, a cargo da empresa finlandesa Botnia, que
anunciou investimento de US$ 1,1 bilhão, e da espanhola Ence, cujo
investimento anunciado é de US$ 500 milhões.
Um grupo de personalidades, entre elas o prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez
Esquivel, a ativista humanitária Hebe de Bonafini (ambos argentinos) e o
escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano, divulgaram no dia 31 de
janeiro, no Fórum Social Mundial, uma carta aberta de rejeição a esse
projeto dirigida ao então presidente eleito Tabaré Vázquez, líder da Frente
Ampla. As fábricas — não só provocarão contaminação ambiental como, também,
deslocarão fontes de trabalho locais nos setores agropecuário, turístico e
da pesca, bem como terão impacto sobre a saúde da população local uruguaia e
argentina, afirmaram. Entretanto, na primeira semana de gestão do governo
Vázquez, seu ministro da Economia, Danilo Astori, disse em entrevista
exclusiva à IPS que a confirmação do investimento da Botnia foi — a melhor
notícia destes dias, porque o Uruguai necessita de investimentos para
criar riqueza e empregos de qualidade.
No Brasil, nas duas últimas décadas houve conflitos por causa de plantações
maciças de eucaliptos, principalmente no Espírito Santo e na Bahia, com
acusações de desmatamento de floresta nativa e uso excessivo de mecanização
e tecnologias que reduzem o emprego. Luiz Ernesto Barrichelo, do Instituto
de Pesquisas e Estudos Florestais, ligado à Universidade de São Paulo, disse
à IPS que, em geral, essas plantações foram feitas em áreas que já estavam
desmatadas, abandonadas ou usada para pecuária, e argumentou que existem
mitos sobre o eucalipto. Segundo o especialista, ao alto consumo de água é
normal em toda espécie de rápido crescimento, nativa ou exógena como o
eucalipto, e é um absurdo afirmar que esta árvore esteriliza a terra ou
que suas folhas impedem o nascimento de outras espécies. Por sua vez, Ipinza
alegou que no Chile as florestas de pinho e eucalipto também ocuparam terras
afetadas pela erosão, e assegurou que — graças às plantações feitas em
terrenos abandonados pela agricultura e pela pecuária, hoje temos patrimônio
de solo, que é o principal valor que possuem os camponeses florestais.
No entanto, a bióloga Adriana Hoffman, que lidera a organização Defensores
da Floresta Chilena, contradisse, em conversa com a IPS, as afirmações de
Ipinza. O pinho e o eucalipto — muitas vezes foram plantados substituindo
floresta nativa, garantiu. Isso é muito preocupante quanto à defesa do
patrimônio natural da nação, ressaltou. Adriana, que esteve à frente da
Comissão Nacional do Meio Ambiente do Chile(Conama) entre março de 2000 e novembro
de 2001, no início do governo do atual presidente, Ricardo Lagos, enfatizou
que os piores impactos contaminantes são os das fábricas de celulose, como
testemunha o horror de rio Cruces. Para Ipinza, — os ambientalistas ficaram
no passado, porque hoje em dia os processos para retirar a celulose da
madeira são muito depurados, muito limpos e pouco contaminantes.
No Chile, acrescentou, — predominam as fábricas de terceira geração, que
utilizam elementos contaminantes muito baixo. Adriana respondeu que — é
possível construir as fábricas de celulose, mas são necessários mais
investimentos para tratar os resíduos líquidos, para evitar a produção de
substâncias tóxicas em grandes quantidades. O desastre do santuário natural
do rio Cruces, onde foi dizimada a maior concentração na América Latina de
cisnes de pescoço preto (Cygnus malencoryphus), parece dar razão aos
ecologistas quanto à falta de fiscalização pelas autoridades sobre os
processos para minimizar a contaminação pelas fábricas de celulose.
Dos seis
mil cisnes que havia no lugar, 790 quilômetros ao sul de Santiago, hoje
restam apenas 289. Cerca de quatro mil emigraram devido ao esgotamento de
algas que eram seu alimento, destruídas, segundo denúncias, pelos despejo de
dejetos da fábrica de celulose Valdivia, instalada cerca de 15 quilômetros rio acima.
Essa fábrica é propriedade da empresa Celulose Arauco y Constitución
(Celco), da holding Copec, que é controlada por Anacleto Angelini, cabeça do
segundo grupo empresarial chileno, com investimentos florestais também no
Uruguai e na Argentina. Nesse último país, possui uma fábrica de polpa
branqueada de celulose no Alto Paraná. A morte dos cisnes é investigada por
especialistas da Convenção Ramsar (que desde 1971 protege ecossistemas de
mangues), que visitaram o Chile no final de março e divulgarão seu relatório
em meados deste mês. Para a mesma data se espera também um informe final da
Universidade Austral de Valdivia, cujo atraso provoca suspeitas e protestos
dos ecologistas.
Entretanto, o próprio órgão ambiental deu à Celco três anos de carência
para a habilitação de um duto de eliminação de dejetos para outra usina de
celulose, no vale de Itata, cerca de 400 quilômetros ao sul de Santiago,
cuja instalação em uma zona de produção de uvas também encontra resistência
entre ambientalistas e produtores locais. Embora os cisnes sejam o emblema
do desastre do rio Cruces, Adriana Hoffman lembrou os danos provocados pela
fábrica Valdivia a outras espécies e aos habitantes próximos. — Temos
informações de que a água contaminada e as emissões gasosas e líquidas
afetaram a saúde das pessoas, causando problemas gástricos e nos brônquios e
um aumento das doenças nas consultas médicas dos hospitais de Valdivia,
afirmou.
— Inclusive, um médico que realizava uma campanha para chamar a atenção não
só para os cisnes, mas, também, para sua própria saúde, morreu no final do
ano passado pelo agravamento de seu câncer pulmonar em razão das emissões da
fábrica!, afirmou a ambientalista. No Brasil se conheceu o caso de uma
pequena fábrica de celulose em Minas Gerais que matou peixes com o dejeto
despejado em um rio, mas o maior impacto adverso da indústria em questão é
social, segundo Melquíades Spinola, do Centro de Estudos e Pesquisas para o
Desenvolvimento do Extremo Sul.
O principal dano das quatro fábricas de celulose e papel instaladas na parte
sul do Estado da Bahia é o desemprego, enquanto — há 12 mil famílias de
camponeses sem terras acampadas nas estradas, disse Spinola à IPS.
Barrichelo destacou que Veracel, uma empresa de capitais brasileiro, sueco e
finlandês instalada em 1992, prometeu 10 mil empregos diretos e indiretos,
mas só contratou 380 trabalhadores em sua fábrica e outros mil nas
florestas. E o caso de Rio Cruces foi divulgado no Uruguai pela organização
não-governamental Grupo Guayubira, que agita a oposição contra as fábricas
de celulose em Rio Negro.
No dia 22 de fevereiro, Vázquez se reuniu com os executivos da Botnia para
dar-lhes um sim definitivo para a instalação de sua fábrica, mas Gayubira
apresentou um recurso ao Ministério da Habitação, Ordenamento Territorial e
Meio Ambiente para que revogue a autorização concedida pelo governo anterior
de Jorge Batle (1999-2005) aos finlandeses. — Sem dúvida, a pesada herança
deixada pelos compromissos assumidos pelo governo anterior estará atando as
mãos da nova administração. Mas, acreditamos que a força da decisão popular
pode chegar a ser a força que o governo (de Vázquez) faça sua para enfrentar
essas pressões, disseram à IPS dirigentes desse grupo ambientalista.
(IPS/Envolverde, 11/04. Por Gustavo González, com colaborações de Diana Cariboni - Uruguai e Mário Osava - Brasil)