Entrevista com o presidente da Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas
2005-04-08
O agronegócio, no qual cada dia mais se incluem as florestas plantadas de eucalipto e pinus, já respondem por 32% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Atualmente, mais de cinco milhões de hectares do território nacional são cobertas por florestas plantadas de maneira ecológica com essa finalidade: fazer o país exportar US$ 2,6 bilhões só em papel e celulose, como aconteceu em 2004, o dobro do que conseguiu o café. E criar 100 mil empregos, 20% a mais que o que empregam as montadoras de automóveis.
Disputando um comércio global que gira em torno de R$ 300 bilhões, com a maioria dos países desenvolvidos sem ter mais um palmo de terra para plantar, nem o sol, nem a água nem o clima que temos, o Brasil só não será o maior exportador mundial de papel e celulose se não quiser. Basta ser sustentável, como o setor se tornou. Ter o apoio, a parceria e a não complicação regulatória do governo. E saber comunicar isso de maneira proativa à sociedade, às ongs ambientalistas e aos outros formadores de opinião, porque ainda pesa muito o preconceito arraigado contra o eucalipto. São algumas das considerações feitas nesta entrevista pelo presidente da Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf), Carlos Aguiar, que também preside a Aracruz Celulose.
JB ECOLÓGICO - Por que a sociedade brasileira ainda não enxerga as florestas plantadas como um bem econômico, social e ambiental?
CARLOS AGUIAR - Porque não sabemos comunicar. Este é o nosso maior desafio, depois que conseguimos a união associativa do setor. Fazer a sociedade entender que, por detrás da floresta plantada, tem toda uma cadeia produtiva, que são as siderúrgicas movidas por carvão vegetal, em substituição ao carvão mineral, que é mais poluente. São as fábricas de papel e celulose, as indústrias de placas e móveis que empregam milhares de pessoas.
JB - E questão se o eucalipto é prejudicial ou não ao meio ambiente?
CA - Graças ao debate, hoje se sabe que plantar uma floresta de eucalipto não seca a terra, como se imaginava antigamente. É como uma outra agricultura qualquer, tal como plantar arroz, café ou cana de açúcar, e não algo exótico. Trata-se de uma atividade que, feita corretamente, também contribui para a inclusão social, vide o aumento de pessoas, e não empresas, que estimulamos a plantar florestas, em substituição a outras atividades do campo que não dão mais lucro nem detém o êxodo rural para as grandes cidades. Hoje, o Brasil já tem quase três mil pequenos fazendeiros de árvores, enquanto na Suécia elas já são 250 mil. Nada impede que cheguemos a 100 mil em um futuro próximo. Cada um deles com 10 a 20 hectares de florestas plantadas em meio a florestas nativas preservadas.
JB - Poderia se chamar isso de política socioambiental?
CA - Não. Política social quem tem de fazer é o governo. O que estamos fazendo é integrar, agregar pequenos fazendeiros ao nosso negócio. Um negócio bom para nós, à medida que não precisamos empatar capital, comprar mais terras para plantar. E bom pra eles, porque têm o nosso apoio, know-how e garantia de mercado, de compra, quando suas árvores crescerem.
JB - O que o setor espera, então, do governo?
CA - Que haja financiamentos adequados para todo e qualquer brasileiro que queira plantar uma floresta de produção sustentável, ao invés de avançar sobre as florestas nativas. Não se planta uma floresta de eucalipto hoje para colhê-la seis meses depois. Isto leva sete anos para acontecer. Se não tiver estímulo oficial, financiamento apropriado, ninguém vai entrar nesse negócio. É preciso que haja o reconhecimento desta necessidade, por parte dos ministérios da Agricultura e Meio ambiente, vide a experiência bem sucedida do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf).
JB - Não se trata de financiamento para as grandes empresas?
CA - Não. É para os pequenos e médios agricultores. Eles é que precisam ser estimulados a crescer conosco. Nós já nos financiamos, buscamos dinheiro no exterior. O governo brasileiro, inclusive, deveria criar um fundo florestal nacional, como existe no Canadá e nos Estados Unidos, onde quem tem dinheiro na bolsa pode retirá-lo para aplicar no fundo. Seria um ótimo negócio para o país. Existem aplicadores no mundo inteiro que investiriam em coisas a longo prazo que renda dividendos e garantias, não querem ficar somente na bolsa de valores, que é muito volátil.
JB - Porque o setor florestal brasileiro, que o senhor diz ser a resposta para isso, reclama tanto do governo?
CA - Porque temos de desburocratizar o cipoal de leis ambientais contra a nossa atividade. Leis federais, estaduais e municipais que se diferem e competem diferentemente entre si. Mesmo sendo sustentável, para se plantar uma floresta acima de 100 hectares hoje no Brasil, o fazendeiro tem de fazer um relatório de impacto ambiental caríssimo. Para o pequeno agricultor, isso significa uma fortuna que ele não tem. Pior. Depois de conseguir a licença para plantar, tem de conseguir outra para cortar, mesmo o governo sabendo que ele plantou com essa finalidade. É esse entendimento que estamos buscando com o Ministério do Meio Ambiente e que já temos em Minas. O secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, José Carlos Carvalho, que já foi ministro e é engenheiro florestal, está conseguindo simplificar esse processo em seu estado.
JB - Em termos comparativos, quais as vantagens de se explorar uma floresta plantada ao invés de uma floresta nativa?
CA - A plantada rende até 40 metros cúbicos por hectare. Já a nativa, por questões ambientais, dificuldade de transporte e mesmo pela qualidade da madeira comercial, não se maneja mais que sete, oito metros. Numa floresta plantada está tudo concentrado, usa-se menos espaço, menos terra. E se produz tão somente o que se quer.
JB - E a questão da biodiversidade?
CA - Numa floresta nativa, é claro, tem mais biodiversidade. Mas não é verdade que a floresta plantada seja um deserto verde como se diz. Nela é possível se encontrar até 500 tipos diferentes de vida, seja insetos ou animais, e uma diversidade também riquíssima de plantas em seus sub-bosques. Se imaginarmos o consumo de água e floresta nativa, que é desmatada e assoreada para plantar capim e produzir um quilo de carne de boi lá na frente, a floresta plantada ganha um outro significado. Numa floresta de eucalipto, a água da chuva que cai não vai embora, infiltra totalmente e mantém o ciclo ecológico. O consumo de água de uma floresta plantada para produzir uma tonelada de madeira é infinitamente menor do que para produzir um quilo de carne de boi, da ordem de 15 metros cúbicos. Numa floresta plantada também não se usa irrigação, cujo consumo e desperdício de água é fantástico, inimaginável e não criticado pela opinião pública. Ou seja, quando olhamos o meio ambiente não podemos avaliá-lo só pela quantidade de fauna e flora, mas também pelo consumo de água, que é um dos itens mais preciosos e em falta na natureza do planeta e será caríssimo daqui a uns 30 anos.
JB - O que o setor florestal brasileiro pode ganhar com o anunciado mercado internacional de crédito de carbono, incrementado agora pelo Protocolo de Kyoto?
CA - Já estamos com um primeiro projeto na bolsa de Chicago, tentando prever o que vai acontecer. Esse mercado ainda está muito desregulamentado, teórico e com o preço lá embaixo. Na verdade, os países poluidores do Primeiro Mundo querem ganhar esses créditos para aliviar o peso de consciência que têm, mas a preço de banana por parte de países como o nosso. Ainda é cedo. Não queremos nem vamos entregar o ouro. O Brasil tem de ir passo a passo, aprendendo a negociar e a valorizar a riqueza em seqüestro de carbono que temos com as suas florestas, nativas ou plantadas.
JB - Isso também passa pela necessidade da comunicação?
CA - Com certeza. Como tudo na vida, a verdade acaba prevalecendo e isso irá acontecer com o nosso setor, desde que saibamos comunicar a importância estratégica das florestas plantadas para o país. Nós já estamos fazendo o nosso trabalho de buscar o contato com a imprensa, a universidade e o público em geral. Eu não tenho dúvida que, antes de me aposentar, todo o setor, a exemplo da Aracruz, vai virar uma Embratel florestal. E que alguém neste país vai descobrir que precisamos de empresas como as nossas, que são genuinamente brasileiras, têm know-how, tiram da própria terra o seu sustento e são capazes de exportar até 98% da sua produção.
JB - Como assim?
CA - Quem vai levar o nome do Brasil para fora não é o governo Lula nem os políticos, e sim as multinacionais que o fizerem. Vão ser, como já acontece, a Vale do Rio Doce, a Petrobras, a Aracruz, as empresas do nosso setor. O inverso também é verdade. Quem traz os nomes norte-americanos para cá não é o Bush, não é o Clinton, não é ninguém. Mas sim a Coca-Cola, o McDonald, a Microsoft. São essas empresas que estão aqui que dão nome à estratégia de seu país de origem. Nós temos de fazer a mesma coisa. É muito simples. Não tem outro caminho.
JB - A idéia da criação da Abraf vem desse pensamento?
CA - Sim, porque entre nós temos essa diferença também. Esse é o grande problema do setor empresarial de papel e celulose. Nós somos competidores uns com os outros. Nós não podemos sentar numa mesa e ficar fazendo conversinha de político, não. Somos competidores. Muitas vezes, o que é bom para a Aracruz não é bom para a Suzano, pode não ser bom para outras. No que é pré-competitivo estamos tentando achar um denominador comum para lutarmos juntos. Nosso setor tem esta dificuldade. As Ongs, por exemplo, podem se unir, é mais fácil porque não tem nem lei que as proíba disso. Conosco, não. Se eu for para os Estados Unidos para fazer uma reunião de presidentes de empresas, tem sempre três advogados na sala.
O que existe, enfim, de consenso, é que a nossa atividade é ambientalmente correta, economicamente viável e socialmente justa. Nós já internalizamos o conceito da sustentabilidade. O caminho é sabermos comunicar isso. (JB 07/04)