Verde não é deserto
2005-04-05
Na semana passada, a convite da Aracruz Celulose a reportagem de O ECO foi à Vitória (ES) para o evento de divulgação do relatório de sustentabilidade 2004. A Aracruz é uma das maiores empresas de celulose do mundo, insumo usado para produzir papel de todos os tipos. É uma das grandes exportadoras brasileiras, comercializando 98% da sua produção no mercado estrangeiro. Por ano, ela gera 2,4 milhões de toneladas de celulose, ou 28% da oferta global do produto. A matéria-prima vem das suas plantações de eucalipto que ocupam 252 mil hectares de terra, mais outros 70 mil hectares contratados de 3 mil pequenos proprietários rurais. Isso tudo também a torna, para muitos ativistas, uma grande vilã ambiental. Será mesmo? Depende do ponto de vista.
Os opositores das florestas de eucalipto as chamam de desertos verdes. Eles as culpam de drenar a água do solo, empobrecê-lo, além de dizimar a biodiversidade local. Dizem também que o cultivo de eucalipto destrói empregos da agricultura familiar, substituindo-a por uma nova forma de monocultura. Como todo debate ambiental, esse é dos mais acalorados e ideologicamente carregados. Afinal, o conflito entre produção e meio ambiente pode ser atenuado, mas nunca extinto. Produzir sempre tem algum impacto ambiental e aumentar a produtividade costuma destruir empregos, mas aumentar salários. É um processo doloroso, porém necessário. Desde que as economias cresçam.
A minha viagem foi precedida de um animado debate dentro da redação de O Eco. Entre várias posições, o ponto pacífico foi que qualquer ambientalista que se preze prefere uma floresta nativa a uma floresta plantada de eucalipto. Mas a questão muda de figura quando o eucalipto surge numa área previamente desmatada ou quando é comparado à alternativa de extrair madeira de uma floresta nativa.
Motivado por essas questões, desembarquei em Vitória para o evento da Aracruz com a curiosidade a toda. E ela não diminuiu, já que fui exposto a muitas novas informações. O palestrante da noite foi Xico Graziano, deputado federal pelo PSDB e ex-presidente do Incra no governo FHC. Graziano fez uma defesa aberta do agronegócio como motor do desenvolvimento e não só incluiu as florestas plantadas dentro da categoria, como as destacou com uma das opções mais promissoras. Ele define agronegócio como toda a cadeia produtiva ligada à produção da terra. Quando se consideram apenas as commodities da agropecuária -- o que ele chama de produção rural -- isso representa cerca de 9% do PIB brasileiro. Mas quando se expande a definição para agronegócio, a participação no PIB sobe para 32%. Isso inclui a indústria de papel e celulose, que exporta US$ 2,6 bilhões ao ano e, hoje, já emprega mais que as montadoras de carro: 100 mil pessoas contra 82 mil dessa última. Graziano conversou com pequenos plantadores de eucalipto do programa Produtor Florestal Aracruz. Descobriu que o eucalipto gera uma receita por hectare/ano de R$ 600 a R$ 800 reais, o dobro do retorno da criação de gado.
Números impressionantes, mas politicamente nada corretos para um repórter ecológico. Afinal, se o eucalipto é ruim para o meio ambiente, quanto maior a sua expansão, pior ele parece. Mas Graziano teve o cuidado de ressaltar que o agronegócio brasileiro, forte exportador, não pode descuidar da sustentabilidade ambiental. Sem práticas ecológicas corretas, será cada vez mais difícil vender nos mercados dos EUA, União Européia e Japão, onde os padrões ambientais exigidos estão sendo constantemente elevados, especialmente para extração de madeira.
Em seguida, conversei com o presidente da Aracruz, Carlos Aguiar, e indaguei sobre o impacto ambiental das plantações de eucalipto. Ele tomou um rumo inesperado e comparou a produtividade do eucalipto com a da floresta nativa. O primeiro rende 40 metros cúbicos de madeira por hectare/ano, enquanto uma floresta nativa, manejada corretamente, não passa de 7 ou 8 metros cúbicos por hectare/ano. Além disso, a disposição natural de uma floresta nativa faz com que as árvores interessantes estejam distantes umas das outras, aumentando muito o custo da extração, que para ser comercialmente atraente, precisa ser composta de madeira homogênea. Resumindo, além de ser economicamente bem mais interessante, o eucalipto ocupa muito menos terra.
Aguiar rebate a acusação de que o eucalipto acaba com a biodiversidade e suga a água, criando os chamados desertos verdes. Ele admite sem rodeios que a biodiversidade de uma floresta plantada é muito menor do que a encontrada na Mata Atlântica ou numa floresta tropical. Mas levantamentos feitos pela Aracruz mostram que as florestas de eucalipto abrigam algo entre 400 e 500 formas de vida, entre insetos, répteis e pássaros, além das espécies da flora que vivem no sub-bosque entremeado aos eucaliptos. Outra compensação ambiental da Aracruz é manter 133 mil hectares com florestas nativas, cerca de um terço das suas áreas de eucalipto.
Sobre o consumo de água, Aguiar defendeu-se citando estudos mostrando que o eucalipto não consome mais água que as florestas nativas. Entretanto, sua argumentação mais curiosa foi quando fez comparações com outras formas de exploração da terra, como a criação de gado ou de suínos. Entre outros fatores, nos pastos a água de chuva evapora, enquanto na floresta plantada ela é retida pela sombra e a umidade das árvores.
Ao fim da noite, continuava certo sobre a superioridade ambiental das matas e florestas nativas. Mas saí convencido de que, comparada aos outros tipos de cultura, as florestas de eucalipto dão um banho de ecologia. O eucalipto não deve competir com a natureza, mas com a pecuária, a soja e o café. Essa parece a forma de comparação adequada ao julgar o impacto dessa atividade. Ao menos enquanto formos ávidos consumidores de papel. Mas isso já é outra questão.(O Eco, 04/04)