Corte de gastos compromete 80% da verba de saneamento
2005-04-05
O bloqueio de gastos federais e a restrição de crédito ao setor público - impostos por decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma resolução do Conselho Monetário Nacional, respectivamente- ameaçam mais de 80% dos investimentos públicos na área de saneamento em 2005.
Dos R$ 6,1 bilhões de investimentos já autorizados com dinheiro de impostos federais ou mediante empréstimos com recursos de fundos públicos, menos de R$ 1 bilhão estaria livre hoje das restrições decorrentes do ajuste fiscal.
O aperto atinge sobretudo empréstimos com dinheiro do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), principal fonte de investimento em redes de água e esgoto. O fundo dispõe, neste ano, de R$ 2,7 bilhões para novos contratos na área de saneamento, mas uma resolução do Conselho Monetário Nacional baixada em junho de 2004 impede qualquer novo empréstimo ao setor público.
A principal pedra no caminho dos investimentos públicos atende pelo nome de resolução 3.204, baixada em 18 de junho de 2004.
A resolução limita em R$ 3,3 bilhões e a contratos assinados até 30 de junho uma brecha para operações de crédito na área de saneamento, que chegaram a ser suspensas em 1998.
– É necessária a urgente edição de resolução do CMN que permita contratações no exercício de 2005 de operações de crédito no valor de, pelo menos, R$ 3,3 bilhões, defende documento do Ministério das Cidades.
O valor leva em conta mais R$ 600 milhões de recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), que poderiam financiar obras de saneamento via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
– A não-contratação de operações de crédito trará como resultado a dependência exclusiva do Orçamento Geral da União, com sua pequena capacidade de investimento frente às necessidades do setor, completa o documento do ministério, a quem cabe coordenar políticas do governo na área de saneamento.
Cortes
Uma análise preliminar dos impactos do decreto de bloqueio de gastos, assinado pelo presidente Lula nos últimos dias de fevereiro, indica que dos quase R$ 2,9 bilhões de gastos autorizados pela lei orçamentária para saneamento ambiental em seis ministérios diferentes, menos de R$ 1 bilhão teria sido preservado dos cortes.
Do orçamento de R$ 1,3 bilhão de gastos autorizados por lei no Ministério das Cidades em programas de saneamento, por exemplo, sobraram apenas R$ 88 milhões, informou Marcos Montenegro, diretor da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades.
Para o ministro Olívio Dutra (Cidades), o quadro traçado pelos técnicos não é definitivo, no que diz respeito aos gastos com tributos arrecadados pela União.
– As condições não são ideais porque o país tem dívidas a pagar e receitas [de impostos insuficientes, mas o contingenciamento é uma sanfona, que fecha e abre segundo a resposta da economia, e ninguém tem varinha de condão ou bola de cristal para dizer como ficará, disse.
Dutra nem tampouco arrisca quais seriam as chances de novos empréstimos com dinheiro do FGTS serem liberados. Mas ele apela à sensibilidade do presidente do Banco Central e dos ministros da Fazenda e do Planejamento, que integram o Conselho Monetário Nacional. – Não achamos que o Conselho Monetário Nacional trabalhe contra o social ou que seja frio, empedernido e não nos atenderá jamais. A discussão não está encerrada, insistiu.
Questionado pela Folha na sexta-feira, o Ministério da Fazenda não se manifestou sobre o caso.
Déficit
De acordo com o levantamento oficial mais recente, feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2002, 23,3% dos domicílios urbanos de todo o país não têm esgotamento sanitário e 10,7% não dispõem de água encanada.
Pouco tempo depois, o Ministério das Cidades calculou quanto seria necessário investir para universalizar os serviços de água e esgoto no Brasil em 20 anos: R$ 185 bilhões.
O Plano Plurianual de Investimentos para o período 2004-2007 previu investimentos federais de R$ 4,5 bilhões por ano como principal contribuição à meta de garantir água e esgoto a quem ainda não tem.
Antes dos cortes impostos ao Orçamento da União, documento do Ministério das Cidades comemorava a perspectiva de investir R$ 6,1 bilhões em 2005, valor superior à soma de todos os empréstimos contratados e despesas empenhadas com dinheiro de tributos federais nos dois primeiros anos de governo Lula.
Mantidas as restrições impostas por resolução do Conselho Monetário Nacional e pelo decreto presidencial, os investimentos federais em 2005 farão apenas 25% do trabalho necessário para alcançar a meta. (FSP 04/04)