Artigo: A próxima desilusão ambientalista
2005-04-04
Por Ricardo Arnt
Há 20 anos os ambientalistas brasileiros cabiam todos num ônibus. Hoje há
muitos, de diversos tipos, apocalípticos e integrados, com influência sobre
a sociedade, mas as teses ambientalistas continuam a perder no embate
político. Por que a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, perde todas? A
conquista do poder impôs à esquerda revisões e reajustes após a ruína do
comunismo. Mas os ambientalistas ignoram a vitória. Com a exceção do campo
legislativo, onde as leis progridem mas custam a vingar, a crítica ambiental gerou poucas conseqüências
no Brasil. Poucas estradas ou hidrelétricas melhoraram de projeto
incorporando o zelo ambiental. Os desafios do saneamento e do desmatamento
se agravaram. Comparados à esquerda, enquanto o PT dispõe de vitrines
positivas em Porto Alegre, Acre ou Ribeirão Preto, os ambientalistas carecem
de resultados. Destacam-se não por fazer, mas por não deixar fazer.
Concentram-se não em construir ou em corrigir, mas em denunciar, alarmar e
obstruir.
Na
verdade, a escolha é menos voluntária do que imposta pelas circunstâncias.
Há motivos para alarme. Como previsível, após décadas de estagnação, a
retomada do crescimento econômico agrava os problemas e desequilíbrios
ambientais. Conjugada à crise de governabilidade do Estado (desprezada pela
esquerda durante tantos anos), a volta dos investimentos empurra a expansão
econômica possível para um novo ciclo de atropelos e impactos. Muitas
empresas acionam o rolo compressor sobre órgãos ambientais frágeis,
desaparelhados e dependentes de marcos regulatórios inconsistentes. A
Engevix foi exposta por um relatório de impacto ambiental fraudulento na
hidrelétrica de Barra Grande, em Santa Catarina. No Pará, a usina de Belo
Monte foi embargada pela contratação dos estudos ambientais, sem
concorrência, à mesma fundação implicada em fraude no relatório da hidrovia
Araguaia-Tocantins. Em Santarém, a Cargill usou uma liminar judicial
temporária para instalar um terminal de grãos no porto como fato consumado.
Licenças fraudulentas impediram a Eletrobrás de fechar contratos com
produtores de energia do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de
Energia Elétrica -o Proinfa.
A arrancada do
desenvolvimento polariza o contencioso. Para garantir a aprovação do projeto
de lei 2.401 e caçar o poder da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
de licenciar transgênicos, os ambientalistas aliaram-se em 2004 à bancada
fundamentalista antiaborto da Câmara, proibindo também as pesquisas com
células-tronco pela medicina. A ministra Marina Silva passou um ano
afirmando não ser contra o progresso da ciência, mas não adiantou. Em 2005,
a mobilização da sociedade a favor das
células-tronco fez o Congresso aprovar a Lei de Biossegurança e
legalizar os transgênicos. A agenda ambiental revelou-se refratária à
demanda social. A guerra aos transgênicos rompeu a aliança tácita entre
cientistas e ambientalistas.
O
exemplo do Eucalipto
Tornou-se evidente que, enquanto muitos agentes econômicos fazem de
conta que ignoram as externalidades ambientais, muitos ambientalistas fazem
questão de ignorar os imperativos econômicos. A 1ª Conferência Nacional do
Meio Ambiente, em Brasília, em novembro de 2004, encerrou-se com um rosário de
recomendações de nãos: não aos transgênicos, não à transposição do São
Francisco, não à energia nuclear, não à criação de camarão, não à
monocultura do eucalipto, não à exploração do mogno. Entretanto há gente
séria a favor em cada um desses temas defendendo a sustentabilidade. A
cultura do eucalipto, por exemplo, é a melhor opção da indústria madeireira.
O Brasil consome 100 milhões m3 de madeira plantada e 200 milhões m3 de
madeira nativa -o dobro- por ano, boa parte ilegal. Aumentar a oferta de
florestas cultivadas deveria ser uma prioridade, pois alivia a pressão e
diminui a rapina das matas naturais. A conferência, entretanto, não sabe
como ir aonde pretende chegar. Não por acaso, ignorou o apelo do vereador
Raimundo de Barros, do PT de Xapuri, primo de Chico Mendes, a favor da
exploração do mogno: — O trabalhador da floresta amazônica precisa do mogno.
É possível explorar essa madeira sustentavelmente – garante ele.
No setor elétrico, há uma
espécie de rejeição difusa à hidroeletricidade. O passivo socioambiental de
hidrelétricas como Sobradinho, Tucuruí, Balbina e Ita é assustador. As
populações afetadas pela tecnocracia já aprenderam que a alternativa é
lutar. Mas nada impede que hidrelétricas decentes possam ser construídas,
com impactos mitigados e indenizações justas. O país usou 24% do seu
potencial hídrico renovável. Felizmente dispõe de amplos recursos de
biomassa, energia solar e energia eólica. Mas nenhuma fonte se compara à
hidráulica em escala, eficiência, estabilidade, ciclo de vida e tecnologia
doméstica. Para começar a ganhar, os ambientalistas deveriam repetir menos
dogmas e pensar mais nas chances nacionais.
Ricardo Arnt, 53 anos, jornalista, é autor de Um
Artifício Orgânico: Transição na Amazônia e Ambientalismo (Rocco, 1992) e
Jânio Quadros: o Prometeu de Vila Maria (Ediouro, 2004).