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2005-03-23
Nem tudo vai bem no novo paraíso do ouro verde: a soja. O cultivo do produto, que cresceu aceleradamente na América do Sul, trouxe vários benefícios para a região, mas também problemas. É o que constataram os 205 participantes do primeiro fórum sobre a sustentabilidade da soja, realizado na semana passada em Foz do Iguaçu (PR).

A proposta do evento foi estabelecer critérios mínimos de incremento do cultivo da soja sem degradar o ambiente, respeitando a diversidade social e cultural das populações agrícolas. Toda a cadeia produtiva participou do evento: agricultura familiar, grandes produtores, organizações sociais, indústrias, importadores, entidades de pesquisas e cadeias de supermercados.

De início, ficou clara a dificuldade em estabelecer o que é sustentabilidade. Para os pequenos produtores, implica uma não-dependência da soja e, muito menos, da soja transgênica. Para os grandes produtores, uma agricultura sustentável é a que segue padrões de bom manejo. O transgênico é conseqüência de uma evolução tecnológica e pode perfeitamente ser inserido no contexto de sustentabilidade.

Para a indústria, a produção é sustentável. E e possível, inclusive, uma produção diferenciada de soja tradicional e de transgênica, o que gera custos extras – e alguém tem de pagar por isso. No início, uma surpresa. Yolanda Kakabadse, presidente do fórum, pede a quem nunca viu um pé de soja que levante a mão. Foi a única a levantá-la.

Por não fazer parte desse mercado, era a pessoa ideal para – escutar as vozes dos vários atores envolvidos nesse processo, mas dependentes uns dos outros, como ela mesmo definiu o fórum. A produção de soja sustentável é a que leva em consideração as questões econômicas, sociais, culturais e ambientais, define ela.

Altemir Tortelli, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf-Sul), destaca as profundas diferenças entre os participantes. Ele destaca que o sistema atual beneficia apenas o grande produtor e os complexos agroindustriais.

Tortelli diz que o governo vive uma dualidade: ora tem os olhos no agronegócio exportador ora na agricultura familiar. Segundo Tortelli, o produtor não tem culpa de produzir o que o mercado paga melhor, mas falta uma regulamentação do Estado para resguardar o ambiente.

Atravessando fronteiras
A soja, que atravessa fronteiras, também espalha problemas. Sílvio Molinas Maldonado, secretário-executivo de Meio Ambiente do Paraguai, diz que o país tem a maior taxa de desmatamento da região. E culpa a soja. Alberto Yanosky, da Guyra Paraguay, diz que a soja é o produto que mais cresce no Paraguai, mas traz um impacto social perverso para as regiões de pequenos produtores, principalmente nas dominadas pelos brasileiros.

Luis Cubilla, da Capeco (associação dos exportadores paraguaios), diz que a culpa não é da soja, mas do homem, que não a maneja bem. Roberto Peiretti, da Aapresid (associação de plantio direto da Argentina), diz que as condições atuais da cultura são melhores do que no passado. Ele compara as condições da agricultura na América do Sul com as da Europa. Na Holanda, são usados 20,8 quilos de insumos químicos por ano por hectare. Na Argentina, 1 quilo; no Brasil, apenas 800 gramas.

Já para Fábio Trigueirinho, da Abiove (associação das indústrias brasileiras), a soja é amigável com o ambiente e a destruição da floresta amazônica está longe de ser consumada. Da área da Amazônia Legal, apenas 2% foram ocupados e o maior produtor do Brasil, o Mato Grosso, tem apenas 6% de sua área ocupada com soja. Trigueirinho diz que a soja é importante para o país. Produzida em 17 Estados, as exportações do complexo soja representaram 12% das receitas brasileiras com as vendas externas em 2004.

O Brasil já ocupa 22 milhões de hectares com soja e essa área deverá subir para 30 milhões em 2020, quando a produção deverá atingir 105 milhões de toneladas.

Desmatamento avança
Rosa Lemos de Sá, do WWF Brasil, diz que até 2020 o desmatamento mundial poderá atingir 22 milhões de hectares. Pelo menos 10 milhões serão em áreas de cerrado. Segundo ela, é necessário melhorar a produtividade, adotando novas práticas de produção, para uma redução das novas áreas a serem ocupadas. Os sistemas de comércio não incluem os custos sociais e ambientais do produtor, diz o holandês Jan Maartem Dros, do AID Environment. – Os europeus têm de ter a mesma regra para todos.

Os EUA destinam US$ 2 bilhões em subsídios a programas ambientais por ano. Os europeus destinam pelo menos US$ 8 bilhões por ano, segundo a OMC. Nessa discussão de agricultura familiar ou grandes produtores, Bruno Maggi Pissollo, do grupo Amaggi, diz que há espaço para os dois. – Quem vai regular é o mercado. Acrescenta que é necessária uma especialização e verticalização em dois ou três produtos. Quanto aos transgênicos, diz que a única coisa que preocupa é a centralização da produção.

Ocimar de Camargo Villela, do grupo Amaggi, diz que há muita emoção nessas discussões. – As ONGs têm de se aproximar mais do setor produtivo. Ele diz que o grupo Maggi planta 130 mil hectares e tem 110 mil de mata legal. Brigit Hofer, da rede de supermercados Coop, da Suíça, diz que a diferença entre transgênicos e não-transgênicos é importante. Os primeiros não são comercializados na rede. No final do evento, pouco de prático foi aprovado, mas ficou a promessa de a discussão continuar, em novos encontros, para fortalecer a cadeia produtiva de soja responsável. (FSP 22/03)

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