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2005-03-21
Mais uma dos climatologistas para estragar o seu dia: dois estudos publicados hoje mostram que a Terra já está para lá de comprometida com o aquecimento global. Não importa o quanto a humanidade faça para reduzir as concentrações de gases de efeito estufa agora, o planeta deve continuar esquentando, e os mares devem continuar subindo pelos próximos séculos.

Os estudos vêm de modelos climáticos de computador e, portanto, suas previsões estão sujeitas a incertezas. Mas elas são assustadoras mesmo assim. Uma das pesquisas indica que, se as concentrações atmosféricas de gases como o dióxido de carbono (CO2) tivessem sido estabilizadas em 2000 -na verdade elas subiram-, o planeta já esquentaria mais 0,5ºC e o nível do mar subiria 320% no final do século 21.

A outra mostra que, num cenário improvável de composição constante da atmosfera, ou seja, se as concentrações de gases estufa ficarem como estão, o nível do mar subirá em média dez centímetros por século. Se as emissões continuarem crescendo constantemente, como acontece hoje em dia, a elevação pode chegar aos 25 centímetros por século. E o aquecimento extra pode bater nos 6ºC.

Como se traduz toda essa numerália? Para dar uma idéia, o aquecimento global médio durante o século 20, que -muito provavelmente- é resultado de atividades humanas, foi de pouco mais de meio grau Celsius, o que esquentou algumas áreas do planeta, como a periferia da Antártida, em cerca de 3ºC. E triplicou a probabilidade de ocorrência de ondas de calor como a que castigou a Europa em 2003.

Uma elevação aparentemente pequena de 10 centímetros no nível dos mares causaria problemas monumentais em áreas costeiras planeta afora. –Para Nova York, por exemplo, significaria uma maior probabilidade de picos de tempestade, o que poderia inundar o metrô, disse à Folha o climatologista Tom Wigley, do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos EUA. Ele é autor de um dos estudos, publicados hoje no periódico científico Science (www.sciencemag.org).

–Mas uma estimativa mais realista para uma elevação futura no nível dos mares, mesmo se tentarmos reduzir emissões, é 20 centímetros por século ou mais -com um impacto conseqüentemente maior, afirmou o cientista.

Para nações-ilhas do Pacífico, que estão muito próximas do nível do mar e já sofrem com o aquecimento global, a perspectiva é catastrófica. Também o é para a Holanda, país que tem parte de suas terras abaixo do nível do mar e que tem sido um dos principais interessados no Protocolo de Kyoto, acordo para reduzir as emissões de gase estufa que entrou em vigor no mês passado.

Ladeira abaixo

Em seu estudo, Wigley construiu dois modelos matemáticos para simular o clima futuro da Terra e calcular o que ele chama de compromisso com a mudança climática, ou seja, a inércia do clima mesmo sem a presença dos fatores que forçam o efeito estufa, como o CO2.

Uma maneira grosseira de entender essa inércia é pensar no clima como um caminhão que é empurrado rumo a uma ladeira. É preciso fazer muita força para que ele chegue lá, mas, uma vez embalado na descida, é difícil contê-lo.

O que torna o caminhão climático pesado é a demora do oceano para absorver o calor excedente da atmosfera a altas profundidades antes de entrar num estado de equilíbrio. O motor são as concentrações de gás carbônico, que em 2001 eram de 370 partes por milhão na atmosfera (em 1750, elas eram de 280 partes por milhão). Os modelos de Wigley, que só prevêem o futuro até o ano 2400, mostram que o nível do mar não pára de subir, mesmo após a estabilização nas concentrações.

–Se eu tivesse de rodar o modelo, digamos, até o ano 3000, o nível do mar continuaria subindo, disse o pesquisador americano. A solução, segundo Wigley, é cortar emissões de gases-estufa de maneira drástica, algo que está além dos horizontes do acordo de Kyoto -que prevê uma redução de apenas 5,2% nas emissões de gás carbônico dos países industrializados em relação aos níveis de 1990. –Um cenário de mitigação drástico seria estabilizar as concentrações de CO2 em 450 partes por milhão, mas esse é um alvo improvável, afirmou.

Geleiras

No outro estudo, conduzido por Gerald Meehl, da mesma instituição de Wigley, a elevação média também é de 20 centímetros por século. O grupo de Meehl alerta, no entanto, que se trata de uma estimativa conservadora, que não leva em conta o derretimento de geleiras continentais.

Para o climatologista Peter Stone, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), nos EUA, os resultados devem ser tomados com um enorme grão de sal. –O estudo de Wigley é mais razoável, mas a taxa de absorção de calor pelo oceano que ele postula é grande demais, e ele não levou em conta as incertezas nos cenários futuros de emissão. (FSP, 18/3)

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