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2005-03-08
Patrícia Marini, especial para o Ambiente JÁ

No meio do terreno, havia um buraco. Era uma cratera de 25 hectares, uma faixa com até 150 metros de largura e 50 de profundidade, cavada pela extração de carvão mineral a céu aberto – um trabalho de tal impacto ambiental que altera até a topografia do lugar. Transformado em aterro sanitário, o buraco virou solução para quase uma centena de prefeituras gaúchas que não tinham mais onde depositar seu lixo.

O aterro faz parte da Central de Resíduos do Recreio, um complexo que inclui estação de tratamento de efluentes e mais espaço: uma área de seis hectares espera licença ambiental para execução de um projeto para depósito de resíduos industriais. É o maior empreendimento do gênero no Sul do país. Fica no município de Minas do Leão, 80 quilômetros a oeste de Porto Alegre pela BR- 290, e recebe lixo até de Uruguaiana, cidade no mais longínquo ponto da fronteira Oeste do Estado, a 380 quilômetros dali. Não chega a ser como no Canadá, onde o lixo urbano da cidade de Toronto viaja 800 quilômetros todos os dias para achar seus destino final, mas revela que até nos pagos gaúchos já despontam duas tendências mundiais: destinos para o lixo cada vez mais distantes dos centros geradores e um filão de oportunidades de negócios em torno dos detritos da civilização.

A idéia deste negócio começou a surgir em 1994 dentro da mineradora Copelmi, mas ficou de lado até a virada do século. A mineradora é dona de mais de 500 hectares entre os municípios de Minas do Leão e Butiá, onde explora a Mina do Recreio. Segundo Carlos Weinschenck de Faria, superintendente da Copelmi, a partir de um investimento superior a dois milhões de reais na construção da central de resíduos, foi criada a Sil Soluções Ambientais, que faturou cerca de dez milhões de reais em 2004.

A empresa fechou o ano recebendo e tratando lixo enviado por 95 prefeituras e pelas áreas administrativas e refeitórios de cinco empresas da região. Majoritária com 60% do negócio, a Copelmi chamou para sócio a HAR Engenharia Ambiental, que já lhe prestava consultoria na recuperação das áreas mineradas e é responsável pela operacionalização do serviço, dona de 25%. A elas juntou-se a Solve Resoluções Técnicas, do empresário André Cirne Lima, que tinha conhecimento prévio do mercado e atua nos contatos para comercialização do serviço. Depois de uma alteração no contrato social, em maio de 2003, a Sil passou a pertencer às pessoas físicas que encabeçavam estas empresas: os irmãos César e Carlos de Faria (Copelmi), Fernando Hartmann e Renè Caramez (HAR) e Cirne Lima (Solve).

O espaço de 40 hectares ocupado pela Central de Resíduos do Recreio fica dentro do terreno da Copelmi, cercado e vigiado diuturnamente, e usa boa parte da estrutura de apoio da mineradora. O aterro foi construído numa cava de 5,5 milhões de metros cúbicos, aberta numa área cujas formações geológicas favorecem a impermeabilização do solo. Na cava, o solo é nivelado com sucessivas camadas de aterro. A impermeabilização começa com uma primeira camada de argila compactada, uma camada de areia e a seguir outra de argila. Então é colocada uma manta de polietileno de alta densidade, protegida por nova camada de argila. O sistema de coleta e condução do chorume até uma bacia passa sobre esta manta, protegido por brita, assim como os drenos que conduzem os gases gerados até a superfície, para queima. Depois que os caminhões deixam sua carga no aterro, um trator os espalha e compacta . O chorume é canalizado até a bacia provisória e posteriormente transferido para a estação de tratamento composta por duas lagoas anaeróbicas e três facultativas. Ao final deste processo, o líquido recuperado é conduzido para o reservatório de água que abastece o lavador de carvão em operação na mina.

Nada disso, contudo, elimina o cheiro característico de toneladas de lixo. — Conforme o vento, dá pra sentir de qualquer ponto da cidade, diz Samir Cubal, que até dezembro foi vice-prefeito e secretário de Finanças de Minas do Leão. Seu partido, o PDT, administrou o município de 7300 habitantes desde a sua emancipação, há doze anos. — A população resiste à ampliação da central para receber resíduos industriais, e a comunidade vizinha reclama das moscas, mas temos de reconhecer que a empresa tem se esforçado para aperfeiçoar os processos e que, para as finanças municipais, a central é ótima - diz Cubal. Segundo ele, o empreendimento representa 10% da receita total e mais de 80% das receitas próprias. Como vantagem adicional, o recebimento do lixo da cidade é cortesia da casa.

O aterro de lixo urbano pode ter vida útil de vinte anos, se continuar no ritmo atual de mil toneladas recebidas diariamente (já próximo à capacidade licenciada). Destas mil toneladas, cerca de 700 têm vindo de Porto Alegre. O manejo de resíduos urbanos na capital gaúcha evoluiu de dois lixões, saturados e sem controle algum, há 15 anos, para uma estrutura complexa, que garante uma situação sanitária razoavelmente controlada. Em 1989, a população chegou a queimar pneus em protesto às condições do lixão de Urubatu, na zona Sul da cidade, pois havia até restos humanos do lixo hospitalar que era despejado junto. Este lixão foi extinto. O da zona Norte passou por um trabalho de biorremediação e ainda foi usado por mais algum tempo. Outro aterro, o primeiro com licença ambiental, projetado para servir por oito anos, durou quatro (em 2002 já estava esgotado). Em dezembro daquele ano, Porto Alegre passou a contratar os serviços da Central do Recreio. Dois anos depois, vão para lá 700 toneladas diárias, das pouco mais de mil que a capital envia para aterros sanitários (o restante vai para o aterro de Gravataí, na região metropolitana, iniciativa de um consórcio municipal). Mas, neste assunto, nada é solução definitiva: ainda na gestão anterior, a prefeitura encaminhou pedido de licença ambiental para a construção de novo aterro na zona Sul da cidade.

Estas mil toneladas diárias são o que sobra de um total de quase 1500 toneladas recolhidas diariamente em Porto Alegre. Várias medidas convergem para que haja esta redução do total a ser encaminhado aos aterros. A coleta de recicláveis alivia os aterros em 15% (praticamente o dobro da média nacional). Para que funcione, além da coleta seletiva em horários diferentes do lixo comum, há um cadastro de 2200 grandes geradores de recicláveis, treze postos de triagem equipados pela prefeitura (onde 700 pessoas vivem de separar materiais), sete mil carroças emplacadas e outros tantos carrinheiros (veículos em que a tração é humana) em constante catação. Também há espaços específicos para compostagem, para entulho da construção civil (adiantando-se à resolução do Conama que obriga a separação do entulho desde janeiro), para podas de árvores (a lenha tirada dali é trocada por tijolos numa olaria).

Todos os esforços são válidos não só pela quantidade de resíduos que administram, mas também pelo seu papel social, abrindo possibilidade de geração de renda a centenas de pessoas sem qualificação profissional. A crua realidade, porém, revela uma incessante a procura por novos locais de destinação final. A demanda pelo espaço disponibilizado pela Central do Recreio é prova disso. Animados com as perspectivas do negócio, os investidores preparam-se para entrar no mercado de créditos de carbono. Um estudo de viabilidade neste sentido está em andamento na Sil e, segundo o engenheiro Hartmann, um projeto detalhado estará concluído em março.

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