Entrevista: Professor da UFRGS estuda radiações eletromagnéticas há uma década
radiação eletromagnética
antenas de celular-erbs
2005-03-07
O professor Álvaro Salles, 58, começou a se interessar pelas radiações eletromagnéticas emitidas pelo celular em 1993, quando participava de um simpósio em Belém (PA). Numa conversa informal, o funcionário de uma empresa operadora, a TelePará, falou maravilhas da nova tecnologia. Interessado, o professor da UFRGS se informou sobre a potência emitida pelos aparelhos. A partir dali passou a pesquisar o assunto.
O acadêmico, que tem doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de Londres, publicou seu primeiro estudo sobre o tema em 1996. Desde então, foram 16 trabalhos apresentados e publicados em anais de eventos no Brasil e Exterior, além de nove artigos veiculados em revistas científicas, o último deles em 2004, na revista francesa Annales de Télécommunications. Alguns dos textos se referem às Estações de Rádio-Base, antenas que garantem o sinal para o telefone móvel.
— Dizem que eu sou contra o celular, mas não é verdade. É uma tecnologia que veio para ficar. O problema é o mau uso do aparelho. Então, não sou contra o celular, mas a favor da saúde, justifica o coordenador do Laboratório de Comunicações. Ele detalhou ao Ambiente JÁ, suas conclusões sobre o assunto que vem estudando há uma década. .
Que efeitos o uso do celular pode causar à saúde?
Um efeito não térmico que já foi provado repetidas vezes é o que se chama de quebra simples e dupla da molécula de DNA, e isso pode ser uma razão do início de um tumor. A molécula do DNA é formada por duas hélices superpostas. Quando se quebra uma delas, a molécula pode se regenerar. Mas quando as duas são quebradas, ela não se regenera e sofre uma mutação, que pode ser o princípio de uma degenerescência. Ou seja, foi mostrado física e biologicamente que isso pode gerar um tumor maligno.
Algum outro efeito?
Outro problema que também já foi provado é a alteração da barreira hemato-encefálica. Certas células sensíveis como os neurônios têm uma espécie de membrana que as protege para que não entre um excesso de toxinas que chegam através do sangue. Funciona como um filtro que protege a entrada de alguns elementos que aquelas células não tolerariam e que poderiam originar problemas de mal funcionamento. Já está provado que a onda eletromagnética altera o efeito dessas membranas, deixando passar mais, ou menos, íons de cálcio, sódio, potássio. E os médicos sabem muito bem que a alteração dessa barreira hemato-encefálica pode causar um efeito muito ruim ao sistema nervoso da pessoa.
Isso está comprovado... .
Existem estudos publicados na literatura científica de renome internacional que mostram repetidas vezes os resultados dos chamados efeitos não térmicos, como esses que recém mencionei. Só que é complexo determinar e caracterizá-los porque podem ocorrer em níveis de energia muito abaixo dos níveis correspondentes aos efeitos térmicos. Então, uma pesquisa mostra um determinado efeito. Aí, a indústria paga um outro laboratório – e paga bem! – e apresenta um resultado diferente para dizer: ah, isso não está provado ainda!. A Libby Kelley (líder de uma ONG ambientalista dos Estados Unidos) mostrou no Fórum Social Mundial de 2003 um levantamento de resultados de pesquisas: as patrocinadas por indústrias não mostram resultados dos efeitos não térmicos e a maioria dos trabalhos independentes mostra os efeitos não térmicos. A legislação internacional ainda é toda baseada apenas nos efeitos térmicos. Então, a população está desprotegida em relação aos efeitos não térmicos como os dois que eu citei (quebra simples e dupla da molécula do DNA, e alteração da barreira hemato-encefálica).
Há alguma estatística sobre vítimas?
Aqui no Brasil, o Ministério da Saúde (www.inca.gov.br/atlas) tem uma estatística que mostra um aumento substancial de mortalidade por tumores cerebrais, coincidindo perigosamente com o aumento do uso do telefone celular. Esse é um problema muito sério! O Ministério da Saúde tem uma estatística mostrando o aumento da taxa de mortalidade por tumores cerebrais e por enquanto não conhece razões que justifiquem esse aumento!
Qual a maneira correta de usar o celular?
A recomendação mais importante é usar fones de ouvido, porque aí o aparelho e a antena ficam afastados do corpo, diminuindo a energia absorvida. E também não deixá-lo junto ao corpo, mantê-lo afastado sempre que possível.
E as empresas, o que devem fazer?
Para a indústria, a solução seria não usar essa antena dos aparelhos convencionais, que emite ondas eletromagnéticas em todas direções. O correto seria uma antena que emita mais no sentido oposto à cabeça. É possível ajustar o que a gente chama de diagrama de radiação, deixando protegido pelo menos um ângulo de 90° em direção à cabeça. Isso reduziria muito a energia absorvida nesses tecidos do cérebro.
As torres de celular podem causar o mesmo efeito que os aparelhos? .
A pessoa que estiver a uma distância normal das Estações de Rádio-Base (ERBs), isto é, 50 a 100 metros de distância de uma torre, está recebendo muito pouca energia. Recebe muito mais quando encosta o celular na cabeça. Temos um trabalho sobre isso. Na Suécia, já existem estudos comparativos do Swedish Institut of Radiation Security (Instituto Sueco de Seguridade de Radiação) que afirmam: — uma pessoa vivendo a 100 metros de uma ERB típica durante 24 horas é exposta ao equivalente a 10 segundos de uma pessoa que está falando ao celular. Veja a ordem de grandeza, que diferença...
A legislação de Porto Alegre sobre as ERBs garante a saúde da população?
É uma lei muito importante, baseada na da Suíça, foi a primeira no Brasil a incorporar o princípio da precaução. A população está garantida para os efeitos térmicos. Não se conhece com certeza qual o nível mínimo de energia para os efeitos não térmicos, isso vai demorar algum tempo. Enquanto isso, a adoção dessa norma na cidade é muito importante porque protege um pouco mais a população e não inviabiliza a comunicação. Dá para respeitar a lei porque o aparelho celular não precisa de muita energia na ERB, a tecnologia é muito boa. Alguns celulares funcionam até dentro de um elevador metálico.
O que a Organização Mundial de Saúde já recomenda?
A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem normas para Estações de Rádio Base e celulares, mas se referem aos efeitos térmicos. Enquanto houver polêmica em relação aos efeitos não térmicos, a OMS não vai adotar novas recomendações, pois tem sido muito conservadora nesse aspecto. Já lançou documentos dizendo que existiam evidências científicas suficientes para a adoção do princípio da precaução para esses assuntos. Apesar de reconhecer que existem evidências científicas, não transformou isso em recomendação oficial. .
E isso pode mudar?
A OMS fez uma consulta pública encerrada em 31 de janeiro e deve lançar em breve novas recomendações sobre radiações não-ionizantes (por exemplo, emitidas por aparelhos de telecomunicações, como celular, ERBs) e saúde. Vão acabar recomendando o princípio da precaução. Com isso, os níveis de emissão para ERBs e aparelhos celulares vão ser mais rigorosos e a indústria e operadoras vão ter que se adaptar a isso. Hoje o argumento é: porque a OMS é a autoridade máxima. Enquanto a Organização não reconhecer os efeitos não térmicos e recomendar o princípio da precaução, eles vão dizer que estão atendendo a OMS.