Gado, arroz e... eucalipto
2005-03-03
Geraldo Hasse, especial para o Ambiente JÁ
Há mais de 30 anos alguns pioneiros começaram a cultivar pinus nas terras baratas da Serra dos Tapes, abrindo caminho para o plantio de outras espécies de crescimento rápido, como a acácia negra e o eucalipto, em municípios gaúchos tradicionalmente dependentes da pecuária e de lavouras como o arroz. Lenta e silenciosa, a silvicultura se impôs como uma alternativa econômica para toda a Zona Sul, que já foi a mais rica do Estado do Rio Grande do Sul, mas há décadas está em decadência. Hoje muita gente acredita que a produção de madeira reflorestada é o caminho que vai reverter a situação.
Nos anos 80, a exploração florestal tornou a região auto-suficiente em madeira. Tanto que em Piratini começou a operar em 2002 uma central termelétrica alimentada por resíduos de serrarias. Agora está surgindo o que faltava para completar a cadeia produtiva: um investimento de grande envergadura. Ainda é possível que a Metade Sul receba um segundo grandes investimento, somando mais de US$ 2 bilhões -- um da Votorantim Celulose e Papel e outro da Aracruz Celulose.
Votorantim investe na Poupança Florestal
A Votorantim Celulose e Papel começou em 2004 a implantação de grandes florestas de eucalipto na região entre Pelotas e Bagé. Parte do investimento inicial de R$ 100 milhões foi aplicada na compra de 40 mil hectares de terras em municípios como Canguçu, Encruzilhada do Sul, Pinheiro Machado e Piratini. Outra parte foi gasta em Capão do Leão na formação de um grande viveiro de mudas capaz de atender às necessidades da própria empresa e também de sitiantes dispostos a se tornar fornecedores de madeira para a fábrica de celulose/papel a ser implantada na região.
Denominado Poupança Florestal, o programa de fomento da Votorantim é semelhante ao criado em 1990 no Espírito Santo pela Aracruz Celulose, que por sinal anunciou recentemente a disposição de construir outra fábrica no Rio Grande do Sul, onde adquiriu, em 2003, a Riocell, de Guaíba. Ainda não se conhecem as reais dimensões dessas novas unidades industriais da Aracruz e da Votorantim, mas a configuração moderna dos grandes grupos do setor sugere plantas com capacidade de produzir perto de um milhão de toneladas anuais de celulose. Como se trata de indústrias intensivas em capital, mesmo um projeto para produzir 500 mil toneladas anuais de celulose não sai por muito menos de US$ 1 bilhão, a maior parte aplicada em equipamentos e instalações industriais, incluindo atenuantes do impacto ambiental. Fração bem menor vai para a parte florestal, que exige, entretanto, uma grande superfície terrestre. Portanto, o que a Votorantim está fazendo na Metade Sul é aperitivo.
Negócio florestal pode render R$ 10 bilhões
Se forem realmente implantados dois megaprojetos de celulose-papel na Metade Sul, faz sentido pensar numa mudança da matriz econômica regional, hoje muito dependente da pecuária e da rizicultura.
A característica exportadora dessa espécie de indústria a torna uma contribuinte medíocre para os cofres públicos, mas ainda assim a silvicultura emprega mais gente do que a pecuária. Em Pelotas fala-se de sete vezes mais espaço para a mão-de-obra. - Faz tempo que a exploração florestal criou uma situação de pleno emprego nos municípios que optaram pela produção de madeira em nossa região - diz o prefeito reeleito de Piratini, Francisco de Assis Luçardo, 63 anos. Na Serra dos Tapes, segundo ele, existe uma cultura florestal que pode facilitar a implantação de projetos industriais como serrarias, fábricas de móveis e indústrias de celulose.
Segundo estimativas do governo de Germano Rigotto, que fez da silvicultura uma prioridade, o Rio Grande do Sul tem condições de triplicar o faturamento da cadeia de negócios de base florestal, passando dos atuais R$ 3,5 bilhões anuais para mais de R$ 10 bilhões nos primeiros anos da década de 10 do século XXI. O salto permitiria duplicar os empregos no setor, passando de 200 mil para 400 mil pessoas.
Gaúchos aprenderam com os erros da Borregaard
Nas regiões mais próximas de Porto Alegre e da serra, onde estão estabelecidas as principais indústrias consumidoras de madeira, o plantio de florestas é uma prática comum desde os anos 60 do século XX. Além disso, os gaúchos aprenderam bastante com a ex-Borregaard, em Guaíba. Foi uma experiência traumática que obrigou o Rio Grande do Sul a criar mecanismos anti-poluição.
Ficou provado que a produção de madeiras para diversos fins pode ser um negócio ecologicamente correto, economicamente vantajoso e socialmente interessante. O que falta agora é definir políticas públicas capazes de viabilizar o ordenamento da cadeia produtiva que começa nas propriedades rurais e termina nos portos.