Juiz proíbe obra no Rio Preto (DF)
2005-03-02
O Projeto de Aproveitamento Hidroagrícola do Rio Preto, na região de Planaltina, está ameaçado de não sair do papel. Por decisão liminar do juiz da 2ª Vara de Fazenda Pública, Álvaro Luis Ciarlini, a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) está impedida de fazer qualquer tipo de contratação ou licitação para a obra. A pena, em caso de descumprimento, será de multa diária de 100 vezes o valor do salário mínimo. A decisão, divulgada na quinta-feira, atende a pedido do Ministério Público do Distrito Federal (MPDF). Para os promotores, o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do projeto são insuficientes para a liberação da obra, já que a análise se detém a apenas duas das 26 barragens previstas no projeto.
Segundo a Seapa, o projeto prevê a irrigação de seis mil hectares, com cerca de mil propriedades beneficiadas e criação de dez mil empregos diretos e 20 mil indiretos. O projeto foi orçado pela secretaria em R$ 145 milhões. O valor inclui outras quatro barragens, a serem construídas em rios que fazem divisas com o DF.
A agricultura é a principal atividade econômica da área, que tem 134 mil hectares, sendo que 100 mil hectares podem ser agricultáveis, com irrigação continuada. A produção está centralizada nas culturas de soja, milho e feijão. Também se destacam a pecuária de leite e de corte, e a avicultura de corte.
A decisão do juiz foi baseada em Ação Civil Pública proposta pela 2ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural (Prodema) e pela 6ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Social (Prodep). De acordo com a promotora Cristina Rasia Montenegro, da Prodema, o primeiro estudo apresentado é insuficiente para que a obra seja liberada. – Não questionamos a importância do projeto. Mas precisamos saber quais os verdadeiros impactos que ele trará à comunidade local e ao meio ambiente, explicou.
Segundo a promotora, a questão da outorga de direitos de uso da água é um dos problemas mais graves. – Se não houver uma determinação de quem poderá usar a água dessas barragens, a questão ficará cada vez mais complexa, alertou. Os produtores questionam as regras para a distribuição da água represada. Muitos temem a perda de terras. Um produtor rural que não quis se identificar calcula que as barragens possam inundar cerca de 50 hectares, dos 159 que possui, entre os rios Preto e Barbatimão.
A preocupação da produtora Mioco Vatanabi, 65 anos, é a movimentação que as barragens podem atrair. Dona de uma chácara de 65 hectares, onde produz poncan e limão, ela acredita que o represamento possa atrair pescadores e caçadores: – Temo que a infra-estrutura não comporte esse projeto.
Novo estudo
O secretário Daniel Marques, da Seapa, promete seguir a decisão do juiz e buscar recursos para um novo estudo. – Ainda falta analisar o orçamento para saber se temos verba, ou se será preciso buscar algum tipo de convênio, afirmou.
O Ministério da Integração Nacional liberou R$ 5 milhões em 2004, para os estudos e a obra. Cerca de R$ 1,3 milhão foi gasto com os estudos iniciais. Depois da notificação do Ministério Público, o convênio foi desfeito e a Seapa teve de devolver o restante à União.
A escolha de duas subbacias para a realização do estudo de impacto ambiental teria sido proposta pela Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), em 2001. Segundo o engenheiro coordenador da Comissão de Fiscalização de Obras da Seapa, Herbert Gualberto, a orientação era criar uma espécie de projeto piloto para a região.
Com a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) do Planalto Central, o projeto precisou ser encaminhado para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis do DF (Ibama/DF). – Na época, não houve objeção. Por isso optamos por estudar duas barragens, em vez das 26 que compõem o projeto, explicou.
Benefício coletivo
Na decisão liminar, o juiz notificou o Ibama/DF a prestar informações, num prazo de 20 dias, sobre a possível implementação do projeto. De acordo com o gerente executivo do Ibama/DF, Francisco Palhares, a instituição recebeu durante o ano passado o pedido de licenciamento de quatro das 26 barragens previstas para a região do Rio Preto. Os pedidos foram devolvidos para a Seapa de dezembro, para que prestassem mais informações.
– Não havia justificativa do impacto social que o projeto vai trazer para a região, que é um dos requisitos impostos na lei para que possamos liberar qualquer tipo de licença. Devolvemos o pedido e não recebemos nenhum tipo de resposta oficial da Seapa, explicou Palhares. Segundo ele, até a quinta-feira, o Ibama/DF não tinha sido notificado sobre a decisão judicial. – À Justiça, devo assinalar o projeto com o mesmo questionamento feito à secretaria. Para liberá-lo, precisamos de uma comprovação de que o benefício será coletivo, e não para poucos, adiantou.
Danos
O Ministério Público deve aguardar o vencimento dos prazos determinados pelo juiz para marcar uma inspeção judicial, destinada a avaliar possíveis danos ambientais que já tenham sido provocados na região. Com isso, a Seapa poderá ser condenada a pagar multa e a promover a recuperação da área, caso fique comprovada a existência de algum dano ambiental. – É lastimável que a má aplicação do dinheiro possa gerar ainda mais prejuízos, numa região que precisa tanto de investimento para se desenvolver — afirmou a promotora Cristina Rasia Montenegro, da Prodema. (Correio Brasiliense 01/03)