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2005-03-01
Antropóloga e secretária da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente de 1999 a 2003, Mary Allegretti participou da luta de Chico Mendes em defesa dos seringueiros no Acre há mais de 15 anos. Ela espera que a morte da missionária Dorothy Stang resulte em uma solução estrutural para o conflito fundiário no Pará, assim como ocorreu com as reservas extrativistas após o assassinato de Chico Mendes. Enquanto isso, os pistoleiros não se intimidam. Na terça-feira 22, executaram o ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro Júnior, em Nova Iguaçu (RJ). Ele era ameaçado por caçadores e extratores de palmito da Reserva Biológica do Tinguá.

CartaCapital: Em que contexto ocorreu o assassinato da irmã Dorothy?

Mary Allegretti: É um fato recorrente, muito parecido com o do Chico Mendes, no sentido de que o Brasil desconhece o Brasil. Parece algo que surgiu de repente, quando na verdade o esforço de evitar que este crime acontecesse foi enorme. Quando assumi a Secretaria da Amazônia, um grupo de agricultores da Transamazônica, migrantes do Sul, foram ao ministério pedir apoio para proteger esta área hoje conhecida como Terra do Meio. Era a última reserva de mogno, como eles mesmos apontaram, e uma espécie de proteção às suas propriedades. Se fosse destruída, eles é que seriam afetados. Encomendei um levantamento, concluído em 2002, que evidenciou a urgência de proteção da área e propôs um mosaico de unidades de conservação. O caso de Anapu surgiu como crítico por razões que hoje todos conhecem. Mas naquela ocasião era muito difícil de ser assimilado pelo governo, diante da dificuldade de diálogo com o governo do Pará.

CC: No governo FHC?

MA: Sim. O caso de Anapu surgiu com a necessidade de criar uma nova modalidade de reforma agrária, um tipo de assentamento em que os agricultores pudessem também reivindicar a proteção da floresta. Por isso foi criado o Projeto de Desenvolvimento Sustentável. Quando Lula assumiu, a situação era absolutamente crítica. Na última gestão FHC era politicamente impossível criar 8 milhões de hectares de áreas protegidas, porque os interesses já eram muito fortes.

CC: Interesses do governo do Pará?

MA: Sim, porque o governador Almir Gabriel era aliado do FHC. E não deixou criar nenhuma área protegida na segunda gestão dele. O Estado sempre entendeu que era uma intervenção federal no Pará. A expectativa era de que a primeira medida do governo Lula seria regularizar a situação fundiária do Pará e implantar medidas de emergência contra a grilagem. Eu saí do ministério em novembro de 2003, porque percebi que o novo governo não entendia o que acontecia e dava uma mensagem ambígua. Ao mesmo tempo que a Amazônia era prioridade havia a mensagem de expansão do agronegócio.

CC: E as medidas anunciadas agora pelo governo?

MA: São importantes, já estavam prontas para ser implementadas no começo da gestão Lula. A interdição da margem da BR 163 é muito importante. Ali você tem grandes fazendeiros e madeireiros. A idéia é congelar todas as atividades, porque são ilegais. Mas as áreas que foram criadas não estão no perímetro do conflito.

CC: O governo continua com a mensagem ambígua?

MA: Continua porque não fica claro qual é de fato o modelo que o governo quer para a Amazônia.

CC: O que precisa ser feito na região?

MA: Uma intervenção institucional. O Ministério da Justiça, o Ministério Público – que atua lá, mas sem apoio –, o Ibama, o Ministério do Meio Ambiente, o Incra têm de estar implantados na região. Se existem terras que são públicas, mas o poder público impede que sejam apropriadas, estabelece-se uma cadeia. Primeiro, o pobre, o posseiro, vai em busca de terra, abre uma fronteira. Atrás vem alguém interessado em comprar madeira, aí vem outro mais capitalizado e compra terra. E por último vem a soja, que dá à cadeia uma lógica econômica quase impossível de controlar. Os interesses dos grandes empresários em relação à expansão da soja na Amazônia estão muito estruturados.

CC: Os pequenos apropriaram-se do discurso ambientalista para ter seu espaço. Quem são eles?

MA: Um dos líderes era o (Ademir) Federicci, assassinado. Outro é o deputado estadual Airton Faleiros. Ele migrou do Paraná e passou a liderar um movimento para mudar o modelo de produção. Os pequenos estão percebendo que a agricultura tradicional de derrubar a floresta e ir adiante esgota a terra, e que poderiam ganhar mais com outras atividades. O interessante é que há um novo ator social, que é o pequeno produtor agrícola, o migrante, o primeiro elo da cadeia. Eles se estabeleceram na Transamazônica e criaram uma concepção de como trabalhar com a pequena propriedade familiar. Mas no Pará ainda não se atacou a origem do conflito, que é a grilagem de áreas públicas. (Carta Capital, n° 331, março 2005)

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