Caça também ameaça região do Tinguá (RJ)
2005-03-01
A Polícia Federal de Nova Iguaçu (RJ) vai investigar se restaurantes na região do Tinguá estão servindo carne de animais silvestres, caçados na própria reserva biológica. Há cerca de um ano, uma equipe da Polícia Federal visitou alguns estabelecimentos após receber várias denúncias sobre venda ilegal de carne de caça, mas não houve flagrante. O delegado Marcelo Bertolucci disse ontem que os bares da região serão alvo de nova investigação, pois as denúncias sobre irregularidades continuam.
— Na casa do ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro Filho, assassinado semana passada, encontramos anotações que citam bares abastecidos por caçadores que atuam na Reserva Biológica do Tinguá. Assim que chegarmos aos mandantes ou a outros envolvidos neste crime, aprofundaremos as investigações sobre esse comércio ilegal, disse Bertolucci.
Dono de bar admite já ter vendido caça
O Ibama e o Grupo de Defesa da Natureza (GDN), ONG na qual Dionísio atuava, também estão reunindo informações sobre os bares em torno da reserva que oferecem carne de animais caçados na região. O Bar do Bira, um dos denunciados, já foi alvo de uma fiscalização, mas o dono apresentou notas fiscais, provando que a carne era de animal criado em cativeiro, o que é permitido por lei.
— O Bar do Bira é pseudolegalizado. Foi apresentada nota fiscal, mas temos informações de que eles inclusive fornecem carne de caça para outros comerciantes de Nova Iguaçu. A quantidade de carne legalizada vendida neste e em outros bares da região é mínima, mesmo porque quase não existem cativeiros — afirmou o ambientalista Flávio Silva, biólogo da GDN, que diz haver relatos de pessoas que encontraram vestígios de chumbo na carne, sinal de que o animal pode ter sido caçado.
Ubiratan da Silva Almeida, o dono do Bar do Bira, admite que vários moleques batem à sua porta tentando vender animais caçados na reserva, mas se defende dizendo que todas as carnes exóticas de seu restaurante são compradas legalmente em Vista Alegre. Ele tem as notas fiscais e já as apresentou ao Ibama e à Polícia Federal. Na ocasião, foi multado porque os documentos eram antigos.
— Estou aqui há 30 anos, tenho uma clientela que inclui políticos e policiais. Não vou me sujar comprando caça da reserva. O maior problema hoje é o palmito, não a carne, diz. Ubiratan conta que já vendeu caça ilegal sim, mas na época em que a área não era uma reserva. — Houve um tempo em que cheguei a ter um freezer de paca, um de gambá e outro de tatu, tudo vindo do Tinguá. Quando o Ibama chegou, passei a comprar carne legal e consegui a licença para continuar vendendo caça, afirma.
Para evitar confusões, o comerciante suspendeu a oferta de carnes de caça, sua especialidade, desde a morte do ambientalista e pretende retirar o letreiro que menciona os pratos. Ele admite que há carne de animais silvestres à venda na área. — Em restaurante não se encontra, mas nas barracas sim, diz ele, referindo-se aos bares que ficam nas margens do Rio Tinguá.
Um ambientalista do GDN que prefere não se identificar por estar sob ameaça confirma:
— Todos os bares recebem caça. Não está no cardápio, mas basta conversar e combinar uma data para saborear qualquer carne.
Morador da área desde os 12 anos, Gilson Campos lembra que a primeira brincadeira de que participou foi a caçada a um gambá. Com 46 anos de Tinguá, ele acredita que os caçadores não sobrevivem da atividade e caçam apenas pelo dinheiro da cerveja:
— As pessoas não têm consciência. Uns caçam por esporte, outros pelo dinheiro do fim de semana.
Campos diz que os caçadores chegam a ficar até duas semanas acampados na mata atrás das presas. Um álbum de fotos apreendido pelo Ibama em Duque de Caxias há cerca de um ano mostra um grupo exibindo armas e cozinhando as presas num acampamento montado dentro da reserva. No local, um sítio na Estrada do Garrão, havia 40 armas e até uma máquina para fabricar cartuchos. (O Globo 28/2)