Estímulo ao consumo de orgânicos no Brasil
2005-02-28
O filósofo que virou empresário. Esse poderia ser o resumo da história de Rogério Konzen. Da inquietação juvenil, e de suas preocupações com uma mundo melhor e uma alimentação mais saudável, o paranaense foi tirar a idéia que transformou o plantio de hortaliças orgânicas numa atividade tão próspera e rentável quanto inusitada: a venda de filés de tilápia e camarões orgânicos ao exterior.
Associado a outros 90 piscicultores independentes, Konzen cultiva 300 hectares de viveiros em Marechal Cândido Rondon, na região oeste do Paraná, e acaba de fechar negócios com uma trading da Alemanha para estender os tentáculos da empresa Oitavo Mar ao mercado europeu. Nos Estados Unidos, para onde vende as 250 toneladas de produtos desde 2002, o quilo da tilápia chega a valer US$ 12, o dobro do preço do pescado convencional. A empresa tem uma fábrica para produzir ração orgânica, feita a partir de matéria-prima cultivada sem o uso de produtos agressivos ao meio ambiente.
O empresário idealista seguiu um caminho comum a boa parte dos praticantes da agricultura orgânica. Antes, ele produzia milho, trigo e soja para exportação. Estava no mundo das commodities, onde escala è fundamental. Como pequeno produtor, resolveu agregar o tão falado valor à produção. Comprou um tradicional frigorífico de peixes e o adaptou às rígidas regras e normas do mercado orgânico. Deu certo. Neste ano, a Oitavo Mar deve faturar US$ 4 milhões. Em três anos, a empresa busca ampliar a 500 os produtores independentes associados e somar 1,2 mil hectares em viveiros de peixes.
A breve história de Konzen ilustra o horizonte que se abre à incipiente produção orgânica no Brasil. De um mercado estimado em US$ 26 bilhões, o Brasil detém apenas US$ 100 milhões. O país responde somente por 800 mil dos mais de 26 milhões de hectares cultivados em todo o mundo - a Austrália lidera com 11,3 milhões de hectares e a Argentina, em segundo lugar, já tem 2,8 milhões de hectares.
Mas a complexidade dos conceitos e as dificuldades em convencer produtores e consumidores sobre suas vantagens ecológicas e sociais têm travado a atividade no Brasil, que reúne cerca de seis mil produtores, segundo dados da certificadora Instituto Biodinâmico (IBD). — É difícil traduzir que agricultura orgânica é um processo, e não se resume a um produto — diz Rogério Dias, secretário-executivo da câmara do setor no Ministério da Agricultura.
A questão é tão complicada que a Agência de Promoção das Exportações do Brasil (Apex) decidiu mudar de estratégia para atrair os consumidores, gerar mais demanda e convencer os reticentes produtores. Do foco no exterior para o incentivo ao mercado doméstico. O presidente da Apex, Juan Quirós, afirmou ao Valor, durante a Biofach 2005, a maior feira mundial do setor, que serão realizados mais cinco encontros nacionais para disseminar os conceitos e vantagens da produção orgânica. Em conversas com empresas processadoras de alimentos e redes de varejo, Quirós foi surpreendido ao saber que os europeus querem mais do que importar produtos brasileiros. — Eles pensam em fazer do Brasil uma plataforma de exportações e até em investir em fábricas, mas nos cobram a sensibilização do consumidor brasileiro — disse. Explica-se: os investimentos numa planta brasileira são menores, mas ainda não há mercado firme para os orgânicos entre nós. — Na Europa, uma fábrica processadora custa 20 milhões de euros. No Brasil, são 6 milhões de euros. Mas eles querem um consumidor esclarecido. Produção e consumo têm que andar juntos.
O produtor de café Cristiano Ottoni decifrou o enigma há cinco anos e tem ganho terreno na Europa, Japão e Estados Unidos com cafés especiais com a marca Spress Cofee. — Se quiser evoluir e driblar as barreiras comerciais, tem que atender aos padrões daqui — ensina. Donos de 500 hectares em Poços de Caldas (MG), cinco produtores se associaram para adotar todas as regras orgânicas e entrar num mercado valioso. O investimento foi pesado. — Só para conseguir o último selo, gastei R$ 90 mil — diz o agrônomo e administrador. Resultado: uma saca de café torrado rende US$ 400. O convencional custa US$ 110. No café verde, o lucro é o dobro - uma média de US$ 210 por saca contra US$ 100, em 2004. Foram exportadas 3,5 mil sacas no ano passado. E marketing vale a pena. Com amostras debaixo do braço e estoque disponível na Alemanha, Ottoni vendeu um contêiner com 300 sacas de café para a Itália na última sexta, durante a feira de Nuremberg. E o zelo rendeu lucros no Brasil. Ottoni fornece café em todos os vôos da TAM e parte da Varig. É o único no país.
Na mesma trilha desde 2002, a Usina Goiasa vendeu 6,5 mil toneladas de açúcar em 2004. O empresário Júlio Capobianco, que começou com a fabricação de álcool em 1991, adaptou os processos por questões filosóficas e hoje vende a tonelada por US$ 370, contra US$ 270 do convencional, para EUA, Japão, Europa e China. A empresa de Goiatuba (GO) tem mil empregados e cultiva cana em 22,6 mil hectares, 10% orgânicos. — Temos um custo de produção mais alto, mas o preço compensa em muito.
Na outra ponta, está a produção de erva mate da Cooperativa Central de Reforma Agrária, de Santa Maria do Oeste (PR). O administrador Luiz Gomes informa que os 16 produtores assentados embolsam US$ 2,26 a cada quilo vendido para a Itália e a Alemanha. O produto convencional vale R$ 1,30 no Brasil. — Temos uma fábrica de processamento e vamos fazer negócios com Inglaterra e Canadá. Neste ano, serão exportadas 11 toneladas do mate orgânico. De olho no mercado português, o médico aposentado Jamil Simão, de Jacuí (MG), decidiu fabricar uma cachaça orgânica em seus 17 hectares de cana livre de produtos químicos. No Brasil, vende o litro a R$ 45; na Europa, a garrafa de Organic do Brasil chega a 20 euros. A produção deve atingir 60 mil litros este ano.(Valor, 28/02)