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2005-02-23
A água encanada, como o escoamento das geleiras acima da cidade boliviana de El Alto, passa tentadoramente perto da casa da moradora Remedios Cuyuna. Mas sem ter dinheiro para pagar os US$ 450 de taxa de ligação cobrada pela companhia de águas de administração francesa, ela lava suas roupas e dá banho em seus três filhos com a água gelada de poço, ao lado de um riacho fétido.

Assim, no mês passado, quando legiões de moradores irados se levantaram contra a empresa, ela ansiosamente se juntou a eles. O governo frágil do presidente Carlos Mesa, na esperança de evitar o mesmo tipo de levante que derrubou seu antecessor em 2003, tomou uma medida que provou ser popular, mas que abalou os investidores estrangeiros.

Ele cancelou o contrato da Aguas del Illimani, uma subsidiária da Suez, a gigante francesa de US$ 53 bilhões, efetivamente expulsando-a do país.

–Para nós, isto é bom, disse Cuyuna, expressando o sentimento em grande parte de El Alto. –Talvez assim eles cobrarão menos.

Isto está longe de estar garantido. Ainda menos certo é como ela e 130 milhões de outros latino-americanos terão água limpa tão cedo, em uma região onde o fornecimento de serviços básicos continua sendo um dos problemas políticos e de saúde pública mais urgentes.

Governos como o da Bolívia tentaram realizar a tarefa por conta própria antes, mas a abandonaram como sendo muito onerosa e voltaram-se para empresas privadas nos anos 90. Hoje, à medida que a privatização é rejeitada, o investimento estrangeiro está despencando por toda a região, e o desafio está sendo devolvido a Estados talvez menos equipados do que há uma década.

A tendência não se limita à Bolívia, onde a falta de água limpa contribui para a morte de uma entre dez crianças antes da idade de 5 anos, e apresenta aos líderes latino-americanos uma questão irritante: e agora?

–As decisões que precisam ser tomadas são difíceis, disse Riordan Roett, diretor de estudos latino-americanos da Universidade Johns Hopkins. –Eles vão ter que fazer algum tipo de concessão, e tal concessão freqüentemente significará recomprar e assumir tais serviços - e então, é claro, torná-los eficientes nas mãos do Estado, acrescentou. – O retrospecto deles neste campo foi miserável. De fato, a forte revolta contra as reformas de mercado --alimentada pelo sentimento de que lhes foi prometido mais do que receberam enquanto lhes eram oferecidos serviços caros, freqüentemente deficientes-- já deixou os governos vulneráveis a protestos e forçou empresas estrangeiras a recuarem. Nenhuma empresa foi mais atacada do que aquelas que dirigem serviços públicos de água, luz e telefonia, ou aquelas que extraem minérios e hidrocarbonos, que, assim como a água, são vistos como um patrimônio do país. No Peru, apesar do enorme crescimento econômico, o investimento estrangeiro caiu de US$ 2,1 bilhões, em 2002, para US$ 1,3 bilhão no ano passado. O Equador também viu um declínio dos investimentos, à medida que as companhias de petróleo, que antes consideravam o país como um destino róseo, passaram a enfrentar uma oposição cada vez mais determinada de tribos indígenas e grupos ambientais. A Argentina, que adotou um caminho decididamente esquerdista na recuperação econômica que se seguiu ao seu colapso em 2001, recuperou apenas uma fração dos investimentos que atraía poucos anos atrás. Por toda a região, as empresas estão mais do que nunca pesando os riscos políticos quando consideram seus planos de expansão. Enquanto isso, os líderes políticos têm que pesar a necessidade de investimento estrangeiro contra as exigências dos cidadãos, que cada vez mais estão dispostos a ir às ruas.

–Na última década, fatores não-econômicos têm influenciado cada vez mais os investimentos, disse César Gaviria, ex-secretário-geral da Organização dos Estados Americanos.

–Os riscos políticos cresceram em alto grau, acrescentou Gaviria, atualmente presidente da Hemispheric Partners, uma firma com sede nos Estados Unidos que fornece análise de risco político e econômico para investidores. A queda no investimento estrangeiro talvez seja mais pronunciada na Bolívia, onde em 1999 totalizava US$ 1 bilhão, à medida que empresas de gás corriam para cá para explorar campos recém-descobertos. No ano passado, ele caiu para US$ 134 milhões devido ao temor das empresas com a queda do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, após a revolta provocada pelos seus planos de permitir que empresas multinacionais exportassem o gás natural da Bolívia. (NY Times, 21/2)

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