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2005-02-21
A seção de cartas da revista Science de hoje é palco de um embate verbal, envolvendo cientistas no Brasil e no exterior, a respeito das verdadeiras causas do desmatamento na Amazônia e da melhor maneira de detê-lo.

Para alguns, os grandes projetos governamentais de infra-estrutura, em especial a abertura e asfaltamento de estradas, estão entre os principais impulsionadores do processo, que já roubou da floresta uma área equivalente à da França. Para outros, a situação amazônica depende de um sem-número de fatores regionais e é simplista culpar as rodovias. Os pomos da discórdia são dois artigos publicados no mesmo periódico em janeiro de 2001 e maio do ano passado.

Seus autores, como os americanos William Laurance, do Instituto Smithsonian de Pesquisas Tropicais, no Panamá, e Philip Fearnside, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), sustentam que a rápida proliferação de rodovias e de projetos para construí-las ajudam a carregar cada vez mais gente para a fronteira agrícola da região. O acesso fácil promoveria a ampliação da pecuária extensiva, da monocultura da soja e da especulação e grilagem de terras.

No estudo de 2001, feito na trilha do projeto Avança Brasil, do governo FHC (que previa um aumento sem precedentes da infra-estrutura de estradas na Amazônia), os pesquisadores chegavam a estimar o desaparecimento de até 42% do ecossistema em 2020. Essa conclusão é a que recebeu as críticas mais fortes, como as de Gilberto Câmara, engenheiro eletrônico do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que a qualifica de apocalíptica. Câmara e colegas da rede Geoma, ligada ao MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) assinam uma das cartas na Science. As outras duas vieram de Roberto Schaeffer e Ricardo Vianna Rodrigues, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Emilio Bruna e Karen Kainer, da Universidade da Flórida em Gainesville (EUA).

Atraso natural
Para Fearnside, não há nenhum motivo especial para que todas as cartas estejam saindo só agora. – Elas demoraram um pouco mais do que o normal para ser publicadas porque há mais de uma sobre o mesmo assunto, afirma. As respostas de Fearnside e seus colegas deixam claro que continuam convictos em relação aos seus trabalhos anteriores. – O que acontece na BR-163 [Cuiabá-Santarém] só confirma o fator das estradas. Faz sete anos que o governo está estimulando o desmatamento ali pelo anúncio de que vai asfaltar a estrada, afirma.

Câmara, porém, afirma que as projeções originais de Laurance e Fearnside não conseguem explicar porque a situação evoluiu dessa forma na BR-163, mas não em outros possíveis eixos de desmatamento, como a rodovia Manaus-Porto Velho. – Eles sugerem um enorme desmatamento de 40 km de cada lado da rodovia, que não aconteceu porque ali não é área de especulação fundiária, a região não é favorável à agricultura, diz Câmara. – Eles também não previram o avanço do problema na Terra do Meio [centro-sul do Pará]. Isso é má ciência e má política pública, porque acaba desacreditando as medidas ambientalistas, critica.

– Pode não haver projetos de novas rodovias federais na Terra do Meio, mas lá o desmatamento segue por estradas feitas por particulares, rebate Fearnside. As principais críticas de Schaeffer e Rodrigues atribuem o desaparecimento da mata hoje à falta de controle do governo sobre a posse da terra, gerando latifúndios ilegais. – Ambos estão certos, mas é preciso entender que o desflorestamento em torno das estradas é influenciado por essas forças subjacentes, institucionais, econômicas e sociais, diz Rodrigues.

Contudo, para Fearnside, essa análise deixa de lado a co-evolução dos fatores de devastação. – É um ciclo vicioso. Mais estradas geram mais especulação de terras. O lucro da exploração madeireira, quando pode ser escoada pela estrada, acaba gerando mais estradas, e isso vira uma bola de neve.. Já Emilio Bruna, ecólogo mexicano que morou em Manaus por sete anos, afirma não duvidar que a abertura de estradas é um fator importante de desmatamento. – Esses projetos vão acontecer, não adianta, afirma. – É preciso pesar os benefícios econômicos que eles trazem e tentar um equilíbrio entre isso e a conservação. (FSP 18/2)

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