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2005-02-21
O governo Lula adia a decisão de banir do país a extração e o uso do amianto, matéria-prima utilizada na produção de telhas e caixas de água, que, comprovadamente, faz mal à saúde. Há um ano, representantes do Ministério do Trabalho informaram que o fim do uso do mineral já era um decisão de governo e que uma comissão interministerial iria estabelecer prazos para o desenvolvimento de materiais alternativos.

— A criação da tal comissão interministerial, anunciada com estardalhaço, nada mais foi que uma medida procrastinatória que adiou em mais de um ano o debate em nosso país, com conseqüências que só poderemos avaliar daqui a no mínimo 30 anos, quando muitos que hoje estão no poder infelizmente não poderão ser julgados criminalmente pelos seus atos — lamente a auditora fiscal do Ministério do Trabalho, Fernanda Gianassi. A auditora fiscal foi uma das principais responsáveis pela criação da Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto), em 1995. A associação conseguiu reunir trabalhadores e ex-trabalhadores nas indústrias de produtos de fibrocimento que usavam ou ainda usam o amianto. De 1.500 trabalhadores expostos ao mineral, 720 têm algum problema causado pelo amianto, segundo levantamento da Abrea.

Técnicos dos ministérios que participam da comissão afirmam que hoje o governo está indeciso. O banimento da extração e do uso do mineral pode não ocorrer com base no relatório técnico a ser apresentado. Dizem que a decisão será política, não técnica. Criada em abril do ano passado, a comissão tinha 180 dias para concluir seu trabalho. Não conseguiu. O relatório da cadeia produtiva do setor deve estar finalizado, agora, até o dia 14 de abril.

- Cabe a nós, portanto, movimentos sociais e população em geral, tomarmos em nossas mãos as rédeas deste processo e deixar de consumir produtos à base de amianto e promovermos na prática o banimento do amianto(boicote) ou o banimento branco do amianto, como fomos acusados pelas cartas anônimas ameaçadoras que recebemos de lobbystas pró-amianto — coloca Gianassi, reconhecida uma das maiores defensoras do banimento do amianto. Até que o mapeamento da extração e do uso do amianto seja concluído, as duas maiores fabricantes de telhas e caixas dágua do país -a Eternit, com capital 100% nacional, e a Brasilit, do grupo francês Saint-Gobain- estão em pé-de-guerra e provocam um racha nos ministérios de Lula.

A Eternit, dona da única mina de amianto do país, que fica localizada em Minaçu (GO), tenta convencer o governo, com documentos e visitas à mina e às suas fábricas, de que, hoje, a extração e o uso desse mineral são seguros. Isto é, quem trabalha na mina ou nas suas fábricas, segundo a Eternit, não corre mais risco de ter doenças pulmonares e até câncer, como no passado, pois a empresa aprimorou as técnicas de manuseio e uso do mineral.

A Brasilit, que optou por substituir o mineral por um derivado de polipropileno, tenta convencer o governo de que, assim como ocorreu em 42 países, o Brasil deve banir o amianto porque esse mineral causa danos à saúde de quem utiliza e lida com os produtos que contêm a matéria-prima.

Técnicos dos ministérios do Meio Ambiente, da Saúde, do Trabalho e da Previdência são favoráveis ao banimento, enquanto os do de Minas e Energia e do Desenvolvimento têm posição contrária. Casa Civil e Relações Exteriores ainda não se manifestaram, segundo a Folha publicou.

O lobby das duas indústrias para convencer o governo de suas posições é forte. Para a Eternit, o que está em jogo é um negócio que envolve 12 indústrias, movimenta cerca de R$ 2 bilhões por ano em toda a sua cadeia produtiva, cria 5.000 empregos diretos e 200 mil indiretos no país. Para a Brasilit, que investiu R$ 100 milhões numa fábrica em Jacareí (SP) para produzir fio de polipropileno (substituto do amianto), o Brasil tem de seguir tendência mundial e banir o mineral.

Domingos Lino, assessor da Secretaria de Inspeção do Trabalho e coordenador da comissão interministerial, informa que a comissão está colhendo informações e argumentos das indústrias e dos trabalhadores envolvidos no setor para subsidiar o governo (Casa Civil) na sua tomada de decisão. — Vai ser difícil chegarmos a um consenso — admite.

Genebra
A auditora fiscal do Ministério do Trabalho Fernanda Giannasi informa que o recuo do governo ficou evidente numa reunião de países em Genebra, no segundo semestre do ano passado, para discutir uma lista de produtos tóxicos que precisam de prévia aprovação para serem importados/exportados. Na hora de o Brasil votar, o representante brasileiro se absteve.

Com base nesse levantamento, o Ministério Público de São Paulo move ação coletiva contra a Eternit, desde março de 2004, que prevê indenização para trabalhadores e ex-funcionários da empresa. Em julho, a juíza Teresa Cristina Rodrigues dos Santos, da 18ª Vara Cível, julgou parcialmente procedente a ação e determinou que a Eternit pague uma indenização - que varia de acordo com o tipo de doença - aos trabalhadores comprovadamente doentes por conta da exposição ao mineral.

A empresa recorreu, e ainda não saiu nova decisão da Justiça. — O Ministério Público vai defender a indenização porque o amianto, comprovadamente, faz mal à saúde dos trabalhadores — afirma José Paulo França Piva, promotor de Justiça do Grupo de Saúde Pública do Ministério Público. — A empresa reconhece 250 casos de disfunção respiratória. Cerca de 200 trabalhadores entraram em contato conosco e têm tratamento bancado pela companhia. A minoria que não nos procurou foi para a Abrea, que tem interesse econômico nesse negócio — afirma Élio A. Martins, presidente da diretoria da Eternit.

Alternativas
Para Vanderley John, professor associado do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), mais do que discutir a extinção do amianto, o governo deve dar condições para as empresas criarem matérias-primas alternativas. — Discutir o banimento ou não é bobagem, é ação política. O governo tem de criar condições para ajudar o mercado a trocar o mineral por outros insumos. Na Europa, quando houve a decisão de muitos países de extinguir o uso do amianto, ninguém mais trabalhava com ele — afirma John.

Nos EUA, não há decisão política de banir o uso do mineral, mas seu uso é restrito. Enquanto no Brasil o limite é de duas fibras por centímetro cúbico, nos EUA é de 0,2 fibra por centímetro cúbico - isto é, lá é 20 vezes menor. — E lá a fiscalização é muito mais rigorosa. Aqui o amianto pode ser usado até em cosméticos — diz Giannasi.

Vítimas vão à Justiça
José Antônio Domingues, 66, atuou de 1976 a 1991 na limpeza de máquinas da fábrica da Eternit em Osasco (SP) e não sabia, na época, que a inalação do pó do amianto podia gerar câncer. Com a fundação da Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto), foi convidado a fazer exame do pulmão. Resultado: teve de retirar um dos pulmões. Domingues faz parte de um grupo de ex-trabalhadores que recorreram à Justiça em busca de indenização por causa dos problemas de saúde decorrentes da exposição ao amianto.

Além da ação movida pelo Ministério Público de São Paulo, existem outros dois inquéritos civis contra a Brasilit e a Eterbras com o mesmo objetivo - indenizar trabalhadores expostos ao amianto. Com a reforma do Judiciário, eles foram encaminhados na primeira semana de janeiro ao Ministério Público do Trabalho.

A Fundacentro (Fundação Nacional de Segurança e Medicina do Trabalho, ligada ao Ministério do Trabalho) informa que já atendeu mais de mil casos de ex-trabalhadores expostos ao amianto e que em uma parte deles (não revelada) foi detectado algum tipo de doença em decorrência do contato com o mineral. Élio A. Martins, presidente da diretoria da Eternit, diz que a empresa sabe quando e por que ocorreu a contaminação de alguns ex-funcionários. — Na década de 40, importávamos amianto da África do Sul do tipo anfibólio [hoje proibido no mundo todo], os equipamentos eram rudimentares e não havia legislação ocupacional. Hoje a maneira como trabalhamos é muito segura – garante. Ele não quis dizer quanto já foi gasto com indenizações.

Argumentos técnicos
Uma das armas utilizadas pelo grupo que defende e pelo que ataca a exploração e o uso do amianto no país são os estudos técnicos realizados dentro e fora do Brasil. — Peritos do Canadá e de outros países, a Organização Internacional do Trabalho e a Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento concluíram que os conhecimentos e as tecnologias modernas atuais podem controlar com êxito o potencial para risco à saúde e ao meio ambiente que o amianto crisotila representa — afirma documento da Natural Resources Canada, encaminhado pela Eternit à comissão.

Outro estudo, coordenado pelo Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), mostra que ainda não existe no Brasil uma tecnologia capaz de substituir o amianto com as mesmas características (durabilidade e eficiência) e os mesmos custos de fabricação. — Trabalhamos nisso há quatro anos e ainda não conseguimos desenvolver uma telha que tenha a mesma durabilidade e o mesmo custo da que utiliza amianto. Mas dá para desenvolver essa telha, só que não do dia para a noite. O governo precisa oferecer condições para que isso aconteça - diz Vanderley John, professor associado do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Politécnica da USP.

Entre os estudos que a Brasilit encaminhou ao governo está o da IARC (sigla em inglês para Agência Internacional de Pesquisa Sobre o Câncer, braço da Organização Mundial de Saúde). A agência classifica todos os tipos de amianto - incluindo a crisotila branca, extraída em Minaçu (GO) pela Sama - como categoria I, na qual constam os produtos que são: -reconhecidamente cancerígenos para os seres humanos.(Ambiente Já com informações da Folha)

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