O motor da devastação: Por que Novo Repartimento virou um dos campeões de desmatamento na Amazônia
2005-02-16
O município de Novo Repartimento, no Pará, é um dos campeões de desmatamento na Amazônia. A cidade, às margens da represa da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, é um exemplo de como obras desse tipo, tocadas sem cuidado social ou ambiental, podem gerar um desastre. Criada para abrigar os expropriados pela construção do lago, tem apenas 13 anos e já derrubou 60% da rica floresta que cobria suas terras. Se fosse bem manejada, a mata forneceria madeiras preciosas eternamente. No ritmo atual, vai se esgotar em menos de uma década. O município registrou o maior desmatamento do Estado, no ano passado, segundo dados preliminares de um levantamento ainda inédito do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Já em 2003, Novo Repartimento aparecia entre os cinco municípios que mais devastaram.
Árvores de madeira nobre apodrecem à margem do lago
O município é um ajuntamento de famílias. Um dos assentamentos foi o que restou aos operários vindos do Nordeste para trabalhar na usina de Tucuruí, há duas décadas. Outros abrigam os ribeirinhos que residiam onde hoje se encontra o lago. Lá também estão os sem-terra que escaparam de Eldorado do Carajás, onde 19 trabalhadores rurais foram mortos pela Polícia Militar paraense em 1996. É o caso de Teodora da Silva Rocha, de 86 anos, que chegou com mais 240 famílias um ano depois do massacre. – Eu e muitos outros colonos escapamos da morte porque fomos colher arroz naquele dia, lembra a maranhense. A cidade ä abriga o maior assentamento da América Latina, o Tuerê, com 20 mil pessoas. Cerca de 65% dessa população vive em área rural. Segundo dados do IBGE, seriam aproximadamente 48 mil habitantes, mas um levantamento feito pela Secretaria de Saúde do Município aponta uma população próxima a 70 mil. É que, pela precariedade das estradas, os pesquisadores oficiais não chegam aos assentamentos mais distantes.
Das 40 madeireiras da região, apenas seis são legais
Propriedade da terra é uma expressão relativa. Não é fácil comprovar a posse de uma fazenda em Novo Repartimento. Como a área hoje ocupada pelo município já pertenceu às comarcas de Tucuruí, Porte, Breves, Marabá, Jacundá e Altamira, quem tem documento pode ter o registro de terras em cartórios espalhados por todas essas cidades.
Teodora fugiu de Eldorado de Carajás depois do massacre de 1996
Nessas paragens onde os recenseadores não chegam, a lei é uma ficção. – Das 40 madeireiras que atuam no município, só seis são legais, afirma o pesquisador Rafael Nascimento, do Museu Paraense Emílio Goeldi, que coordena um plano diretor para a região. Apesar de a lei ambiental fixar em 20% o limite de desmatamento nas propriedades rurais, a maioria dos proprietários locais (tanto assentados quanto fazendeiros) já retirou mais da metade da floresta. – Os pequenos, que criam gado para leite, querem agora criar para corte e desmatam. Os grandes querem ampliar suas pastagens. E os madeireiros clandestinos invadem as propriedades para tirar árvores, resume o pesquisador.
O município, que recebe R$ 1,3 milhão por mês em royalties da Eletronorte, pela usina, não construiu estradas para escoar o leite produzido pelas famílias. Resta aos agricultores trabalhar como operadores de motosserras nas madeireiras, que constroem suas estradas clandestinas na mata. Alguns também caçam espécies como onças, araras e veados para traficantes de animais silvestres.
A associação de pescadores não consegue energia para uma fábrica de gelo
Os 29 assentamentos existentes não têm eletricidade, apesar da proximidade com Tucuruí. Sem energia para uma fábrica de gelo, a produção de pescado no Lago de Tucuruí também fica ä inviabilizada. Os pesquisadores estimam que o lago possa produzir 500.000 toneladas de peixe por ano. Mas não há estradas para escoar isso. Seria uma opção econômica mais sustentável que a extração predatória de madeira.
Segundo a Celpa, a energia chega ao município em uma potência adequada somente ao uso urbano e imprópria para abastecer a zona rural. Nem a Eletronorte, que administra Tucuruí, nem a Rede Celpa, distribuidora de energia no Pará, souberam explicar por que não se deu prioridade aos expropriados no fornecimento quando da criação da hidrelétrica. Novo Repartimento é um exemplo da visão torta de desenvolvimento na Amazônia, baseada em megaprojetos que deixam para trás aglomerações humanas que só conseguem sobreviver com a devastação.
O Ibama liberou a venda de madeira de origem indefinida
O governo voltou a liberar o roubo de madeira na Amazônia. Depois de dois meses de impasse, o Ibama deu, na semana passada, permissão para que as empresas retirem madeira sem título de propriedade da área. E a maior parte dessas madeireiras corta árvores de terras devolutas invadidas. A briga começou em janeiro, quando o Ibama em Santarém, responsável por metade da área do Pará, decidiu cumprir a lei. As madeireiras protestaram. Para pressionar, bloquearam a estrada Santarém-Cuiabá por quase uma semana. – Mais uma vez o governo contraria a lei, beneficiando um pequeno grupo de infratores, queixa-se Paulo Adário, do Greenpeace. Em 2003, o Ibama já havia baixado uma portaria nesse sentido e cedido às pressões.
Mesmo que a extração de madeira em área devoluta seja ilegal, é difícil proibi-la sem oferecer opções. As madeireiras representam 10% do PIB de Estados como o Pará. São a atividade econômica mais difundida na Amazônia. – A saída é transformar a extração numa força positiva para a região, diz Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). – Mas para isso é preciso remover os entraves. O primeiro deles é a confusão fundiária. As empresas que querem trabalhar na legalidade lucram como nunca. Madeireiras com terras próprias, planos de manejo corretos e certificação ambiental exportaram US$ 560 milhões no ano passado, quase o dobro de 2003. – Essas empresas têm dinheiro e vontade para investir, mas não conseguem encontrar florestas com titularidade para comprar, diz Veríssimo.
A segunda premência é aprovar a lei de concessões florestais. Ela permite que empresas adquiram o direito de explorar florestas nacionais, com manejo adequado. A medida, que geraria 500 mil empregos e US$ 3 bilhões por ano, tem apoio dos ambientalistas e das madeireiras, mas não sai da Casa Civil. (Época 14/2)