Irmã Dorothy: Pela primeira vez, crime contra Direitos Humanos será julgado na esfera federal
2005-02-15
O assassinato da missionária Dorothy Stang, em Anapu, no Pará, é o primeiro crime de violação dos direitos humanos a ser transferido para a Justiça Federal. A decisão de propor a transferência ao Superior Tribunal de Justiça foi anunciada nesta madrugada pelo Procurador Geral da República, Cláudio Fontelles. Com isso deverá ser transferida para a Polícia Federal a responsabilidade pela investigação do caso e a juízes federais a competência para o julgamento. Isso só foi possível com a reforma constitucional do sistema judiciário aprovada pelo Congresso Federal no final de 2004.
O Greenpeace aplaudiu a decisão. — Segundo a Comissão Pastoral da Terra, há 25 pistoleiros com mandato de prisão à solta no Pará. Esperamos que, com o assassinato da missionária, o Governo do Pará cumpra com suas obrigações e finalmente traga os criminosos à justiça, afirma Paulo Adário, coordenador da Campanha da Amazônia do Greenpeace. Domingo, por exemplo, em reunião com movimentos sociais, políticos e os ministros Nilmário Miranda e Marina Silva, a recém empossada prefeita de Medicilândia, Leni Trevisan, chegou a dizer que se sentiria mais segura sem a presença das polícias estaduais no município.
Governo já sabia
O governo do estado do Pará e a Polícia Federal haviam sido avisados diversas vezes em 2004, pela Procuradoria da República no Pará, sobre as ameaças contra a vida da irmã Dorothy Stang, assassinada no sábado (dia 12), em Anapu (PA). Os alertas referiam-se também à situação de
conflito vivenciada por comunidades defendidas pela irmã Dorothy nos projetos de desenvolvimento sustentável (PDS), no município. Além das denúncias do Ministério Público, também o Greenpeace encaminhou, em novembro, a partir de denúncias da irmã Dorothy, um ofício ao Ministério da Justiça e à Diretoria da Polícia Federal, solicitando providências em relação à situação de insegurança diante de ameaças, invasão de áreas comunitárias e expulsão de pequenos agricultores dos PDS. Em anexo, foram incluídos diversos documentos ilustrando casos de conflito e violência. O Procurador da República no Pará, Felício Pontes, encaminhou em 2004 ao menos 5 ofícios ao superintendente da Polícia Federal no Pará, José Ferreira Sales. O Secretário Especial de Defesa Social do Pará, Manoel Santino Nascimento, recebeu pelo menos 4 ofícios do Ministério Público Federal sobre a questão, no ano passado. Outra autoridade alertada foi o Corregedor Geral e subcomandante da Polícia Militar do Pará, cel PM Rubens Lameira Barros.
Documento do procurador da República no Pará Felício Pontes enviado ao secretário Santino em 15 de junho de 2004, afirma: Merece destaque a situação de risco em que se encontra a vida da missionária Dorothy Stang, em meio ao fogo cruzado, proveniente dos litígios, o que demonstra a imperiosa necessidade de uma participação ativa, efetiva e antecipada do poder público, com vistas a evitarmos novas tragédias, para que não sejam ceifadas outras vidas, em decorrência da omissão das autoridades constituídas. Alguns dos ofícios do Ministério Público solicitavam ao secretário estadual, responsável pelas pastas da Justiça e Segurança, a apuração de denúncias envolvendo a prática de crimes ambientais e irregularidades praticadas por policiais militares. No mesmo documento de 15 de junho, encaminhado também ao superintendente da Polícia Federal no Pará, o procurador aponta a transformação do município em um verdadeiro campo de batalha.
— É patente e preocupante a grave situação de conflito, envolvendo a situação de disputas de terras no citado município, tornando o clima cada vez mais tenso entre posseiros e fazendeiros, com registro de ameaças, torturas e mortes de trabalhadores rurais vítimas da ação de pistoleiros e grupos armados. — É indiscutível que o crime contra irmã Dorothy deve ser investigado e punido exemplarmente. Porém, é fundamental resolver as causas desse tipo de crime, frequente no estado do Pará, entre as quais destacam-se os conflitos fundiários decorrentes da invasão e grilagem de terras e florestas públicas, com a consequente exploração predatória dos recursos naturais, afirmou Paulo Adário, coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace.
Entre as propostas já encaminhadas pela ong ao governo, destacam-se a realização urgente do zoneamento econômico ecológico na Amazônia com amplo processo de consulta às comunidades, para garantir a posse da terra e uso sustentável dos recursos naturais às populações tradicionais e assentados rurais da região e a criação de unidades de conservação de proteção integral e uso sustentável. Além disso, faz-se necessária uma maior presença do Estado, com o fortalecimento de instituições como a Polícia Federal, o Ibama e o Incra. (Greenpeace, 14/2)