Floresta regenerada perde diversidade, afirmam pesquisadores
reflorestamento
gestão de florestas públicas
2005-02-15
Mesmo nas condições ideais, pode ser praticamente impossível fazer com que
uma floresta se regenere mantendo a diversidade que tinha antes de ser
derrubada. Esse é o resultado preocupante de um estudo feito por
pesquisadores nos Estados Unidos, com uma espécie de palmeira comum em
florestas tropicais, inclusive no Brasil.
O pesquisador turco Uzay Sezen e seus colegas da Universidade de Connecticut, em Storrs, verificaram que mais da metade dos exemplares de
palmeira-barriguda ou paxiubão (Iriartea deltoidea) que colonizaram uma área
de pastagem abandonada descendiam de só duas árvores. Trata-se de uma
redução brutal na diversidade genética da espécie – e um perigo dos grandes
para a sobrevivência da floresta renascida.
O estudo, publicado na edição da sexta-feira passada (11/2) da revista americana Science, revela mais uma faceta dos problemas que seguem a destruição de matas ecologicamente maduras, que ocuparam o mesmo lugar durante centenas ou até milhares de anos.
–Estudos anteriores mostraram que, em várias áreas de mata secundária (onde
a floresta se recuperou depois de ser cortada), a riqueza de espécies entre
as árvores maduras é menor, mas está no mesmo nível da vegetação original
para os brotos e mudas, conta Sezen. –Então, tem-se a impressão de que a riqueza de espécies está voltando para a floresta secundária. Mas as aparências enganam. Você pode ter uma regeneração vigorosa, mas um panorama genético extremamente pobre, diz o pesquisador, que é estudante de doutorado.
O trabalho foi conduzido numa área de 30 hectares (com 20 de
mata primária e 10 de mata secundária) na Estação Biológica La Selva, na
Costa Rica. A espécie de palmeira escolhida, muito abundante por lá, também
ocorre em boa parte das florestas tropicais da América Central e da América
do Sul, e se dá melhor na sombra.
Para todos os efeitos, a floresta tinha as condições ideais para se
regenerar. O processo acontece há 24 anos, desde que a antiga pastagem foi
abandonada, e a mata madura ali do lado fornece os jardineiros: abelhas
que transportam pólen e animais como tucanos, macacos e antas, que carregam suas sementes. Os pesquisadores mapearam como esse processo estava se dando com ajuda de um tipo de etiqueta de DNA que permite identificar com precisão de 100% os pais de um ser vivo. Também investigaram as distâncias em que o pólen e as sementes das árvores da mata primária percorriam.
Foi aí que surgiu a primeira surpresa: as sementes viajavam bem mais que o
pólen, embora ele seja carregado por animais voadores (270 m contra 100 m,
respectivamente). –Acreditamos que esse é um fenômeno típico do início da
regeneração, especialmente em espécies cujas sementes são dispersadas por
animais, como a I. deltoidea. Numa floresta madura, os dispersores
provavelmente não viajam tanto, diz Sezen.
O resultado mais chocante, porém, veio dos testes genéticos. Entre 66
árvores maduras da mata primária, apenas duas responderam por 56% das que
nasceram na área regenerada; 23 plantas geraram os outros 44%, enquanto 41
simplesmente não deixaram descendentes ali.
O resultado sugere um problema sério para a sobrevivência a longo prazo das
florestas tropicais – embora não seja possível generalizar os resultados, o
pesquisador afirma que o caso poderia servir de modelo para outras matas.
Acontece que a variabilidade é uma das chaves da sobrevivência de qualquer
espécie – quanto mais diversificada geneticamente, maior a chance de que ao
menos uma de suas variedades seja capaz de resistir a uma doença ou a
mudanças climáticas bruscas.
–A diversidade genética pode se recuperar se a floresta primária original
continuar intacta - aliás, o problema global é manter esses recursos
intactos, diz Sezen. –Isso pode levar muito tempo, principalmente em
espécies que levam centenas de anos para alcançar a maturidade. E, enquanto
não acontece, a baixa diversidade genética ficará pairando sobre elas como a
espada de Dâmocles, diz, referindo-se à arma mítica que pairava sobre a
cabeça da pessoa presa a um fio de cabelo. (FSP, 11/2)