Dias de ouro da soja brasileira acabaram
2005-02-10
Uma caravana incessante de caminhões carregando soja se arrasta pela rodovia
BR-364 no Estado de Mato Grosso, a caminho dos portos atlânticos do Brasil,
1.500 quilômetros a sudeste. Outra safra recorde de soja está sendo colhida. Mas apesar da produção os agricultores de Mato Grosso - uma região que tem
sete vezes o tamanho da Inglaterra e é a maior produtora de soja do Brasil -
estão preparados para sua pior crise financeira desde que começaram a
cultivar essa região semiárida em meados dos anos 80.
O colapso dos preços internacionais da soja e um grande aumento nos custos
de produção apanharam desprevenidos os fazendeiros altamente endividados de
Mato Grosso, mergulhando muitos deles em grandes prejuízos depois de anos de
altos lucros. Em conseqüência disso, duas décadas de expansão no estilo corrida do ouro nessa fronteira agrícola estão chegando ao fim. — O agronegócio brasileiro
está transbordando... somos vítimas de uma crise de abundância — disse o
secretário de Desenvolvimento Rural de Mato Grosso, Otaviano Pivetta, a
centenas de agricultores que protestaram em Cuiabá na semana passada.
Este ano os fazendeiros deverão perder mais de US$ 500 milhões em sua
colheita, segundo a Federação Agrícola do Estado (Famato). Sem dinheiro,
eles provavelmente plantarão menos em setembro, reduzindo ainda mais as
perspectivas de exportação de soja em grão e derivados, que chegaram a US$
10 bilhões em 2004.
Um dos maiores fazendeiros do Estado, Orcival Gouveia Guimarães, prevê
perdas de mais de US$ 1,5 milhão aos preços atuais, em sua plantação de 21
mil hectares de soja, arroz e algodão. — Não só não haverá crescimento, como
haverá uma redução na área cultivada este ano — ele disse.
O preço da soja, impulsionado pela grande demanda da China no ano passado
para cerca de US$ 16 a saca, caiu pela metade em meio a um crescente
superabastecimento do mercado. Os agricultores brasileiros também tiveram de
enfrentar uma valorização da moeda de 20% e um aumento de 28% nos custos de
produção.
Eles também não tiveram os generosos subsídios concedidos a seus homólogos
nos Estados Unidos. Os custos totais, incluindo a depreciação da terra e o
preço crescente de fertilizantes e máquinas, hoje estão em US$ 10,30 a saca,
segundo a Famato. Problemas de transportes também reduziram a
competitividade do que era considerado um dos produtores agrícolas de menor
custo do mundo.
— A volatilidade dos preços faz parte da agricultura, mas ninguém pode
enfrentar essas variações na proporção preço-custo. Se os preços não se recuperarem, alguns agricultores irão à falência — diz Álvaro Salles, um
agricultor de Rondonópolis. Somente 10% da colheita de soja foram protegidos contra flutuações de preço. Normalmente teriam sido 60%.
Alguns agricultores se queixam de que a consolidação no agronegócio os tornou dependentes de um punhado de negociantes, que fornecem financiamento para sementes e fertilizantes, armazenagem e contratos de venda. Mas no ano passado, quando os preços começaram a cair, as companhias
negociadoras não ofereceram contratos, dizem os agricultores. — Elas nos
financiaram, mas não compraram nosso produto, agora que vale a metade do que
valia — diz Rodrigo Stechow, diretor da associação rural de Campo Verde.
Tudo isso atinge Mato Grosso especialmente, porque nos últimos anos os
fazendeiros reinvestiram o grosso de seus lucros para aumentar a produção,
na esperança de aproveitar ao máximo o mercado pujante. — Parecia uma corrida do ouro aqui... não economizamos dinheiro para os maus tempos e em vez disso compramos mais terra para crescer mais depressa. Todos precisamos repensar isso agora — diz Benigno Busunello, que em 20 anos quadruplicou o tamanho de sua fazenda perto de Primavera do Leste.
Muitos fazendeiros admitem que foram ingênuos. — Precisamos nos
profissionalizar; não podemos continuar suscetíveis a crises desse tipo —
diz José Rogério Salles, diretor da Aprosoja, a associação dos plantadores
de soja fundada na semana passada. A Aprosoja quer mais soja processada em
produtos de valor agregado, como ração animal para a criação de aves e
suínos. Os fazendeiros também estão formando cooperativas para ganhar alavancagem em
suas negociações de vendas e compras, e sonham com um cartel como o grupo de
petróleo Opep para ajudar a estabilizar os preços.
Há certos sinais de que os custos poderão começar a cair. Paulo Rosa, o
representante local da fabricante de equipamentos agrícolas Massey Ferguson,
diz que suas encomendas caíram 40% no último ano. — Estamos oferecendo
descontos de 15% ou mais para impulsionar as vendas — ele diz.
Os agricultores pioneiros de Mato Grosso vão perseverar. Ninguém está
pensando em ir embora ainda. — Nós transformamos essa terra árida em um
oásis, construímos estradas, escolas e casas. Não vamos abandonar isso — diz
Stechow. Mas eles também sabem que a corrida do ouro agrícola talvez tenha
terminado para valer. — Era fácil ganhar dinheiro a US$ 16 a saca [de soja], mas talvez nunca mais vejamos isso. Agora está na hora de provar que o Brasil ainda pode produzir
os melhores e mais baratos produtos agrícolas do mundo — diz Pivetta. (Financial Times, 10/02)