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2005-02-09
A Petrobras vai instaurar a partir desta semana processo de arbitragem para renegociar os contratos firmados em 2001 e 2002 com a americana El Paso e a brasileira MPX para a construção, respectivamente, das usinas termelétricas Macaé Merchant (RJ) e TermoCeará (CE). O Planalto apóia a decisão, pois os prejuízos são estimados em R$ 4,51 bilhões. O prazo para tentar um acordo formal com a El Paso venceu ontem. Com a MPX vence no domingo que vem. A etapa seguinte, prevista nos próprios contratos, é a arbitragem - instrumento que encerra a disputa, sem possibilidade de recurso. No caso da El Paso, a sede será Nova York. No da MPX, do empresário Eike Batista, será no Rio de Janeiro.

A Petrobras alega que, caso mantidos os dois contratos, ambos firmados na época do apagão, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, terá prejuízo de R$ 4,51 bilhões com o pagamento de contribuições de contingência para as duas empresas durante cinco anos, a partir de 2002 --quando a primeira usina ficou pronta. Por esse instrumento, a estatal tem que reembolsar as empresas quando o lucro delas não é suficiente para pagar uma cesta de despesas: tributos; custos de operação e manutenção; e pagamento da capacidade da usina (amortização do investimento e a remuneração do seu capital).

Só com a El Paso, a Petrobras desembolsa em torno de US$ 20 milhões (R$ 52,2 milhões) por mês. Com a MPX, são US$ 4,8 milhões (R$ 12,5 milhões). Somados os cinco anos de pagamentos, isso significa que a estatal terá pago a cada uma mais que o preço integral das duas usinas, sem direito a participação em nenhuma das duas, que continuam das empresas privadas.

O presidente da Petrobras, José Eduardo Dutra, se reuniu na sexta-feira com diretores da empresa e autorizou o início do processo de arbitragem, que embute um risco político: o marketing das empresas de que o governo do PT estaria promovendo quebra de contrato. O processo prevê que cada lado indique um árbitro com registro internacional, e os dois depois escolhem um terceiro. No caso da MPX, serão seguidos o ritual, os códigos e as leis brasileiras. No da El Paso, o ritual passa a ser o previsto no Estado de Nova York. O prazo para o desfecho não é determinado, mas os precedentes indicam em torno de seis a oito meses. Não cabe recurso. E, certamente, a imprensa internacional estará atenta.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o comando político do governo deram aval à arbitragem, que é baseado em pareceres econômicos e jurídicos. Um deles é assinado pelo advogado Eros Grau, que saiu da questão ao assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal. — A busca da proteção de interesses próprios, devidamente tutelados pelo ordenamento jurídico, nada tem de desabonador ou censurável, quer jurídica, quer eticamente; a Petrobras não estará descumprindo os contratos celebrados com Enron e El Paso se adotar medidas negociais, arbitrais ou judiciais para corrigir e conter os prejuízos consumados e aqueles estimados — diz Grau em parecer.

Outro é assinado pelos advogados Antonio Carlos Mendes, Eduardo Arruda Sampaio e Rodrigo Octávio Broglia Mendes, da Mendes Advogados Associados, de São Paulo. Fala em caracterização do desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, com a Petrobras suportando unilateralmente prejuízo vultoso com o enriquecimento sem causa das parceiras, podendo até configurar ato de liberalidade.

Os presidentes da Petrobras eram Henri Philippe Reichstul, à época dos contratos com a Enron e com a El Paso, e Francisco Gros, quando foi o da MPX. O diretor de Gás e Energia da empresa, que firmou os dois primeiros contratos -e que abriram as condições para o terceiro-, foi o atual senador Delcídio Amaral (PT-MS).

Pela versão da El Paso, a Macaé Merchant custou US$ 730 milhões (R$ 1,9 bilhão). A empresa já recebeu da Petrobras cerca de US$ 700 milhões e, se mantido o contrato, terá ainda a receber mais US$ 600 milhões, num total de US$ 1,3 bilhão (R$ 3,3 bilhões). É quase o dobro do custo do investimento. Além disso, a Petrobras diz que, por cálculos do mercado, uma usina equivalente custaria menos do que diz a El Paso -cerca de US$ 450 milhões (R$ 1,2 bilhão).

No caso da MPX, Batista diz oficialmente que a TermoCeará custou US$ 150 milhões. A Petrobras acrescenta que já despendeu cerca de US$ 142 milhões a título de contribuição de contingência e ainda pagará quase US$ 90 milhões (um total de R$ 861,3 milhões). Ou seja, sem mudanças, a MPX embolsará US$ 180 milhões (R$ 469 milhões) a mais do que gastou com toda a usina. A Petrobras também questiona o custo do empreendimento. Diz que, pelos cálculos de mercado, uma usina do mesmo porte não sairia por mais do que US$ 100 milhões.

— É um escândalo, o típico caso de enriquecimento sem causa dos parceiros, o que nos dá o direito de buscar a renegociação e a arbitragem. É não só direito como obrigação de gestor, até para não sermos acusados de negligência e prevaricação — disse à Folha o diretor de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer. Desde dezembro de 2004, a Petrobras vinha depositando em juízo as contribuições de contingência. Na última quinta-feira, porém, caiu a liminar que permitia isso. A estatal deve recorrer.

A TermoCeará, aliás, não está produzindo. Ela depende de um gasoduto que seria feito pela própria Petrobras e que ainda não saiu por falta de licença ambiental. O único gasoduto da região serve já à TermoFortaleza e à TermoPernambuco.

Na época dos contratos, o grande temor do governo e do mercado era com o apagão, pois não havia certeza de que seria passageiro ou prenúncio de longas crises de falta de energia. O governo tinha pressa. E, conforme todos os lados reconhecem agora, a Petrobras avaliou mal os preços da energia a partir de então.

Quando a MPX foi criada para fazer a TermoCeará, em fevereiro de 2002, porém, a pior fase do apagão já tinha passado e havia indícios de normalização. O MWh (megawatt-hora) já estava muito baixo, e, para dispensar a Petrobras das contribuições de contingência, seria necessário que a empresa estivesse produzindo e que o preço se mantivesse acima de US$ 50. Nunca ocorreu. Hoje, por exemplo, o MWh está em torno de US$ 7. Daí o desequilíbrio.

Um terceiro negócio feito também à época do apagão e igualmente questionado pela atual direção da Petrobras já foi resolvido. Era com a americana Enron, para a construção da usina Eletrobolt, no município de Seropédica, no Rio. Como a Enron faliu, a Petrobras negociou a compra da Eletrobolt com os 17 bancos que herdaram a massa falida da empresa. A negociação foi aprovada em novembro do ano passado. A estatal brasileira pagou US$ 162 milhões e reteve parte deles durante cinco anos, por contrato, para alguma eventualidade referente à falência da Enron. Ou seja, caso seja necessário cobrir dívidas anteriores imprevistas. (FSP, 7/02)

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