Geólogo da USP alerta: transposição do São Francisco não atenderia ao pobre
2005-02-03
Anunciada como promessa de matar a sede do nordestino do semi-árido, a
transposição do Rio São Francisco corre o risco de servir apenas aos
interesses de coronéis e políticos que sobrevivem com a chamada indústria
da seca. Quem alerta é o geólogo da USP - Universidade de São Paulo com
especialização em gestão de recursos hídricos, Aldo Rebouças. O especialista
prevê, com base em análises do projeto federal, que nem uma gota da água do
rio levada ao Nordeste chegará à população que tem sede. Além do risco de
salinizar terrenos, inviabilizando a agropecuária, a transposição do São
Francisco teria como objetivo a irrigação de cultivo de grãos, flores e
camarões para exportação.
- O objetivo primário é irrigação para exportação. Não atenderia ao pobre, ao
miserável, ao pequeno agricultor. Visa a interesses particulares, de
exportação - denuncia o geólogo. Uma das evidências de que o projeto não serviria para
matar a sede da população seria uma estimativa exagerada de consumo de água
na região. O objetivo seria usá-la na construção de barragens para a
agroindústria,
- Não estão prevendo, nos custos da obra, levar a água para essa população.
Só prevêem canais ao longo dos rios ou construídos artificialmente para as
grandes propriedades de flores, camarão e grãos. Nenhum para consumo
interno - argumenta Rebouças. Para o especialista, o projeto é cheio de
falhas, alimentadas por irresponsabilidade sócio-ambiental.
- A população fica chupando o dedo e vai continuar fazendo a ligação entre
pobreza e falta de água. Mas não existe nenhuma vinculação entre essas duas
coisas. Políticos que vivem da indústria da seca gostam de ligar uma coisa a
outra porque é favorável a eles. Eles têm uma barragem e sempre embutem
comissões por fora que financiam campanhas e eleições - disse.
Rebouças aponta, entre outros problemas do projeto, o custo sete vezes maior
para usar as águas do São Francisco no Nordeste ao invés de às suas margens,
a salinização do solo e o aumento da pobreza em conseqüência da diminuição
da oferta de água.
Para o especialista, a alternativa viável para o Nordeste envolve ensinar a
população a usar a água e ressuscitar o catavento, substituído com alto
custo por moto-bombas na década de 60. Segundo ele, há mais gente
desperdiçando do que sabendo usar a água nos estados nordestinos. Ele
aconselha a troca do cultivo de grãos por frutas, como o melão, que dá maior
rentabilidade, e o incentivo do governo à racionalização: 40 m² de área
seriam suficientes para coletar água no período chuvoso para abastecer seis
pessoas por ano em período não chuvoso.
Soma-se às críticas do especialista a previsão do Ministério Público
Estadual e do governo de Minas Gerais de que a implantação do projeto
comprometerá a disponibilidade de água alocável da bacia. Ou seja, o volume
concedido para a transposição chegaria ao máximo, impedindo o
desenvolvimento das áreas pelas quais o rio passa hoje.
O promotor de Justiça mineiro Luciano Badini, um dos signatários de ação
civil pública que tentou impedir a realização de audiência pública sobre o
tema e conseqüente início das obras, afirma haver ações no mesmo sentido na
Bahia, em Sergipe e Alagoas. Minas reclama um estudo ambiental mais
detalhado, já que o realizado pelo governo estaria incompleto e não
contemplaria os impactos efetivos ou potenciais em Minas, responsável por
73,5% da vazão total do São Francisco. Segundo Badini, 67% originários de
rios estaduais, apesar de o São Francisco ser federal.
Com a captação prevista no projeto do governo federal - inicialmente de 26
m³, podendo chegar a 127 m³/s, mas com média de 65 m³/s - haveria
necessidade da construção de barragens nos rios estaduais de Minas. Esse
impacto ambiental, lembra Badini, não está no estudo. Além disso, diz,
haveria redução de água para as hidrelétricas. Na de Minas, Três Marias, o
impacto não foi medido.
Ainda segundo o promotor, o rio tem volume outorgável total de 360 m³/s. Só
que 330 m³/s já estão outorgados, restando 30 m³/s. Dessa forma, o volume a
ser transposto ultrapassaria a quantidade passível de uso. Além disso, alega
Badini, os estados por onde o rio passa também sofrem dificuldades (Minas
Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas).
- Alagoas, que tem o Índice de Desenvolvimento Humano mais baixo do país, vai ser privado das águas do São Francisco. Inviabilizou o desenvolvimento
econômico. Não tem mais água para novos empreendimentos, conclui. (JB
Online 31/01)