Famílias desapropriadas pela hidrelétrica vivem sem eletricidade
2005-01-19
O lago de Barra Grande vai engolir as casas de gente que vivia na pior. Para qualquer lugar que se mudem, vão ficar melhor. O inventário dos atingidos varia entre 237 famílias e um pouco mais, contando o povo que apareceu depois do início das obras - são sem-terra que querem pegar carona nos programas oficiais de reassentamento.
Um atingido em cheio é o barqueiro João Darci Vieira de Oliveira, do passo do rio chamado Pedra do Overa. - Eu tinha uma roça de feijão e milho, mas a Baesa não deixou mais plantar, diz, resignado, enquanto fuma um palheiro, no melhor estilo caboclo de beira de rio.
O pessoal de lá não protesta quando alguém não deixa mais plantar. Todos correm pro MAB, o movimento político dos atingidos. Ele é comandado por profissionais no trato com o governo, ligados à Igreja Católica, ao PT e ao MST.
A mãe de Darci, dona Madalena, e a mulher dele, Aidê, vivem alguma centenas de metros acima do rio, num casebre miserabilíssimo. Estão acampados lá há dois anos - além da roça, eles perderam a casa que tinham na parte baixa. O muquifo tem um varal com peixe seco, uma geladeira Admiral que serve de armário, camas xexelentas, buracos na parede - o que não tem é energia elétrica. Um fogão a lenha enfumaça a casa e preteia as telhas.
Negócios adiantados
Vivem no barraco duas crianças, menos de dois anos cada. São filhos de prostitutas de um bordel das redondezas, estabelecido pelo espírito empreendedor de alguma meretriz para atender aos trabalhadores da usina - a obra começou em 2001, os negócios já vão adiantados, W. e V. são atestados disso. Os dois foram recolhidos por dona Aidê. No início ela cobrava pensão das mães. Quando os pagamentos cessaram já era tarde, ela tinha se apegado aos pequenos. W. e V. se incorporaram à família.
É improvável que a situação das crianças seja incluída em algum acordo do governo com o MAB, da empresa construtora com os atingidos, ou mesmo de dona Aidê com as prostitutas. As duas crianças passam seus dias brincando no terreiro, entre cães pulgentos, gatos magros e galinhas sujas. Elas parecem bem cuidadas pelas duas senhoras. W. e V. têm uma sorte danada. Depois que as águas engolirem a terra onde foram tão mal paridas, elas estarão prontas para renascer, terão uma vida inteira pela frente, num mundo novo. (Renan Antunes de Oliveira)