Especialistas questionam o Muro da Mauá
2005-01-17
Se uma enchente como a de 1941 ocorresse hoje, Porto Alegre precisaria erguer barreiras de sacos de areia para se proteger de uma inundação. A solução tosca seria necessária porque o sistema contra enchentes, do qual o muro da Mauá faz parte, não está em condições de garantir proteção completa. Parte dos 17 portões do muro, que deveriam ser lacrados em caso de inundação, encontra-se emperrada. - Na área que vai da ponte do Guaíba até a Voluntários com a São Pedro, temos seis ou sete portões que estão emperrados mesmo. Eles não fechariam em caso de emergência, e a cidade seria alagada em tais pontos. Nesse caso, o muro da Mauá perde sua função. Basta imaginar um muro com um buraco no meio. A água entra - afirma o engenheiro do DEP Michelângelo Petruzellis, responsável pela manutenção dos portões do muro da Mauá.
Conforme o engenheiro, os portões - com 18 metros de comprimento cada - estão emperrados por falta de manutenção. Ele afirma que a última vez que receberam alguma atenção foi há seis ou sete anos. Em uma situação emergencial, a saída seria levantar barreiras com sacos de areia nos vãos. - Isso seria bem mais rápido do que tentar fechar os portões. Mesmo assim, precisaríamos montar uma operação de guerra. Teríamos de reunir umas 200 pessoas para trabalhar. Areia não seria problema, porque tem ali perto. Seria necessário apenas ensacá-la. Resolve, mas saco de areia é coisa do tempo em que a gente não tinha nada - diz Petruzellis. Para deixar os portões novamente em condições, o investimento necessário é de R$ 250 mil. O engenheiro do DEP acredita que a obra será realizada ainda no primeiro semestre.
Engenheiros e arquitetos afirmam que é possível substituir barreira sem deixar a Capital à mercê de enchentes
Cada vez que o Paço Municipal muda de inquilino, renasce entre os porto-alegrenses uma esperança: ver o muro da Avenida Mauá ir abaixo. A boa notícia para os sonhadores é que derrubar a barreira de concreto erguida durante a ditadura militar e devolver o Guaíba à população da Capital, sem deixá-la à mercê de enchentes, é plenamente possível. Especialistas afirmam que implantar um sistema de proteção contra as cheias que elimine o muro não chega a constituir um desafio técnico.
Uma proposta de substituição, inclusive, esteve muito próxima de vencer os traumas deixados pela enchente de 1941, quando as áreas ribeirinhas da cidade submergiram, produzindo milhares de desabrigados.. Vencedor do concurso Porto do Casais - que em 1996 mobilizou 600 arquitetos para definir um projeto de revitalização do cais -, o professor da UFRGS Alberto Adomilli propôs a derrubada do muro e a implantação de uma ciclovia capaz de converter-se em escudo de proteção no caso de elevação significativa do nível das águas. Custo estimado da obra que restituiria o Guaíba a Porto Alegre: R$ 1,5 milhão, menos do que o valor repassado pela prefeitura como ajuda para realizar a edição deste ano do Fórum Social Mundial.
A barreira de concreto que em 1974 divorciou a cidade do porto que lhe deu origem chega a ser vista como uma solução burocrática e preguiçosa. Carlos Maximiliano Fayet, ex-presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil no Estado (IAB/RS), afirma que basta interesse político para achar uma solução que proteja a Capital de enchentes como a de 1941, que ocorrem em média a cada 384 anos: - As alternativas existem. O que falta é criatividade e uma decisão política: Queremos ou não devolver o rio à cidade?, afirma.
O arquiteto e mestre em planejamento urbano Júlio Vargas, da diretoria do IAB/RS, concorda que não faltam alternativas para sistemas de contenção. Uma possibilidade, diz, é substituir a Avenida Mauá por um viaduto cujos pilares fossem dotados de portões de metal. Em caso de enchente, os portões seriam fechados e formariam um muro contínuo. Entre as vantagens dessa proposta está transformar a atual Mauá em área de lazer e em via de acesso facilitado ao cais. Outra idéia seria criar um muro oculto no solo e acionável por um sistema de motores.
- Tecnicamente, essas alternativas não são nenhum bicho-de-sete-cabeças. Mas são caras. Acho que a solução mais correta é a que venceu o Porto dos Casais, porque joga a proteção para a beira do Guaíba, guarnecendo também o investimento que se fizer no cais. É um sistema quase primitivo, mas viável. O único cuidado deveria ser o de realizar simulações periódicas, para assegurar que em caso de emergência o sistema funcione, sugere. (ZH 16/1)